O Congresso Nacional derrubou, nesta quinta-feira (27), 56 dos 63 vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que flexibiliza as normas para o licenciamento ambiental no Brasil. A decisão restabelece dispositivos polêmicos da proposta, apelidada por críticos de “PL da Devastação”, como a autorização para o autolicenciamento de obras de médio porte e a redução de exigências para desmatamento na Mata Atlântica.
A votação ocorreu menos de uma semana após o encerramento da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém (PA). Na Câmara dos Deputados, as tentativas do governo de manter os vetos, apoiadas por destaques do PT e do PSOL, foram rejeitadas por 295 votos a 167.
A medida altera de forma significativa a dinâmica de aprovação de empreendimentos no país. Entre as principais mudanças está o retorno da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite o autolicenciamento de obras classificadas como de porte médio, mediante apenas a adesão dos empreendedores, sem a exigência dos estudos ambientais complexos atualmente requeridos.
Autonomia dos estados e redução de poderes federais
Com a decisão do Legislativo, a definição dos parâmetros ambientais para o licenciamento deixa de ser exclusiva da União e passa a ser compartilhada com os estados e o Distrito Federal. Isso retira atribuições de órgãos federais, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Além disso, órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) passam a atuar como “observadores”. Seus pareceres técnicos deixam de ter caráter vinculante, ou seja, não precisam ser necessariamente seguidos para a aprovação das licenças. A nova regra também limita a consulta a povos indígenas e comunidades quilombolas afetados por empreendimentos.
Outro ponto sensível derrubado pelos parlamentares foi o veto que mantinha a Mata Atlântica sob regime especial de proteção. A restauração do texto original reduz as exigências para a supressão de vegetação nativa no bioma, que preserva cerca de 24% de sua cobertura original.
Acordo sobre obras estratégicas e a MP 1308
Apesar das derrotas, o governo conseguiu adiar a análise de sete vetos referentes ao Licenciamento Ambiental Especial (LAE). O texto aprovado pelo Congresso previa uma fase única de licenciamento para obras consideradas estratégicas.
Após vetar esse dispositivo, o Executivo editou a Medida Provisória (MP) 1308/2025, que mantém o tratamento diferenciado para obras estratégicas e cria equipes exclusivas para dar celeridade aos processos, preservando, contudo, o sistema trifásico (licenças prévia, de instalação e de operação).
O relator da MP na Câmara é o deputado Zé Vitor (PL-MG), e a comissão mista é presidida pela senadora Tereza Cristina (PP-MS). A medida precisa ser apreciada até 5 de dezembro para não perder a validade. Há um acordo entre os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para votar a MP após a análise dos vetos. Zé Vitor pretende incluir no relatório a definição das atividades de médio porte que poderão ser submetidas ao licenciamento autodeclaratório (LAC).
Repercussão e risco jurídico
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, já havia alertado, na segunda-feira (24), sobre os riscos da derrubada dos vetos. Em entrevista à CNN, ela classificou os vetos presidenciais como “estratégicos para manter a integridade do licenciamento” e afirmou que a nova legislação pode ser alvo de judicialização.
“O que não podemos, em nome de os projetos serem estratégicos ou de interesses econômicos, é passar por cima da proteção ambiental. As leis da natureza não mudam em função das nossas necessidades”, declarou.
O Observatório do Clima, coalizão com 161 organizações socioambientais, classificou a medida como o “maior retrocesso ambiental da história do país”. Em nota, a entidade defendeu o licenciamento como principal instrumento de prevenção de danos, criado pela Política Nacional do Meio Ambiente de 1981.
No Congresso, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) alertou para uma possível “guerra ambiental” entre os entes federativos. “Vai se criar uma verdadeira guerra ambiental na tentativa de levar algum tipo de empreendimento sem o devido rigor”, afirmou. O deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE) atribuiu a atual morosidade nos processos ao desmonte dos órgãos ambientais em gestões anteriores e criticou a retirada de poder de fiscalização do Ibama e da Funai.
O deputado Nilto Tatto (PT-SP) também criticou o timing da votação. “O momento em que se está trazendo para votar, logo depois da Conferência do Clima, tem uma posição política de setores que desnortearam o debate do licenciamento ambiental para defender interesses menores”, disse.
Defesa da desburocratização
Parlamentares favoráveis à derrubada dos vetos defendem que a medida é necessária para destravar a economia. O presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, afirmou que há “regiões inteiras aguardando que o Congresso finalize essa discussão para que grandes projetos saiam do papel”.
O deputado Zé Vitor (PL-MG) argumentou que o projeto respeita o meio ambiente e criticou o atual nível de burocracia. “Depois de um órgão ambiental estadual fazer toda a análise técnica e conceder uma autorização, mesmo assim precisava do carimbo do Ibama, um carimbo que, de fato, não protege nada”, disse.
Na mesma linha, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), defendeu a exploração das riquezas nacionais. “[O governo] quer colocar travas no agronegócio, que é a única coisa que ainda está dando certo economicamente no Brasil. O verdadeiro Brasil que nós temos é o Brasil que explora as suas riquezas do agro”, concluiu.


















