Dona de um texto pungente, conciso, com uma linguagem capaz de enredar facilmente o leitor
No mundo onde os homens jogam dominó em um tabuleiro de damas, as mulheres jogam xadrez — sempre três jogadas à frente de qualquer um de nós do sexo masculino. As personagens de Lygia Fagundes Telles deixam isso bem claro, além de também esclarecerem uma série de outras coisas aos olhares mais atentos.
Infelizmente, Lygia nos deixou no dia 03 de abril de 2022, aos 98 anos de idade e eu não poderia deixar de dedicar algumas linhas a ela.
Dona de um texto pungente, conciso, com uma linguagem capaz de enredar facilmente o leitor, Lygia ajudou-me a desenvolver o tal do pensamento complexo, que é quando conseguimos imaginar as coisas fora do binarismo de tudo ser preto ou branco, certo ou errado. Esse fla x flu infernal que virou o mundo por causa das simplificações que a tecnologia trouxe. A escritora fez isso não apenas através de sua narrativa e personagens, mas também através da sua própria voz, doce, suave, maternalmente sagaz, que pode ser ouvida em entrevistas e relatos.
Enquanto escritor, outra coisa que não pude deixar de aprender com Lygia foi a relação que seus personagens têm com a vida real. A grande coerência das suas criações mora, justamente, na espontaneidade dos encontros improváveis e nas eventuais contradições que possam existir nas pessoas. Não apenas isso ajuda a entender a dinâmica de criar personagens interessantes, mas também de como conviver com pessoas reais que, por vezes, são improváveis em nossas vidas e estão cheias de contradições maravilhosas.
Por fim, mas não menos importante, com a dama da literatura brasileira, aprendi a perceber que apesar de o tempo ser extremamente influente para as pessoas, nem sempre, todo mundo o vive e o percebe da mesma forma. Cada um extrai e interage da maneira como pode com o que o momento dá. Lygia me fez mais compreensivo e tolerante além de chamar a atenção para estar atento a sutilezas que de outra maneira eu não estaria.
Eu nunca sonhei com Lygia, mas que seja cada vez mais lida e contemplada.
