Leitura Em Dia

21 de março de 2022
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#10_com João Fiorot: Não seria melhor ler algo mais fácil?

Não. Não seria


O Twitter é uma rede social que usa 280 caracteres e que costuma gerar muitas discussões. Nem sempre úteis, de vez em quando divertidas e algumas vezes dentro do universo da leitura, escrita e do ensino de literatura nas escolas.

O conflito que se deflagrou agora é: por que colocar os adolescentes para ler Machado de Assis ou textos ainda mais antigos como A Odisseia, mesmo que em textos adaptados, em vez de jogar logo um livro mais novo, como Harry Potter (sempre Harry Potter), nas mãos dos alunos para estimular o gosto pela leitura com algo mais simples, mais lúdico e mais contemporâneo.

Essa ideia, apesar de cheia de boas intenções, tem o entusiasmo das ideias que parecem muito boas até que sejam minimamente colocadas à prova. Vejamos por quê.

Que tipo de livro é necessário nas aulas de leitura?
No mundo multimidiático em que vivemos é impossível não estar lendo o tempo todo. O problema é que quanto mais informação escrita nos é dada, mais dispersa fica a nossa leitura. Existe uma gama de profissionais do marketing e do desenvolvimento tecnológico que trabalham para tornar o ato de ler algo mais cômodo e intuitivo. O que estamos tentando fazer em sala de aula é totalmente o oposto.

Ler livros é contra-intuitivo e é por isso que é um exercício tão estimulante para o cérebro. E justamente por oferecer tanto estímulo também é uma tarefa extremamente desafiadora e, por vezes, difícil. Mas o objetivo de qualquer atividade com essas características é que a cada desafio vencido, o próximo se torne mais fácil.

Portanto, um livro que contenha um contexto que exija pesquisa, reflexão e ainda demande melhoria do vocabulário do leitor para ser compreendido é ideal para se trabalhar em sala de aula. O oposto só serve para ocupar tempo e dar a falsa sensação de avanço — que pode ser útil, apesar de questionável.

Um adendo aqui é o papel importante do professor de ajudar os alunos a construírem as pontes que os conectem ao livro. Não faz sentido jogar uma obra tão importante quanto complicada e esperar que um adolescente sozinho ligue todos os pontos, apesar de isso ser possível.

Nem todo aluno que passa em matemática vai ser matemático

Nem tudo o que se aprende na escola é levado para o resto da vida. Especialmente em termos de conhecimentos acadêmicos.

Lembro de uma entrevista em que Rubem Alves desafia todos os doutores que o entrevistavam a passarem novamente numa prova de química de um vestibular, agora que já havia décadas que eles estavam afundados em suas matérias de especialização e afastados dos tópicos típicos do Ensino Médio, então segundo grau.

A resposta foi o silêncio.

Assim, é evidente que toda criança e todo jovem deva sair lendo (e bem!) da escola, contudo nem todos serão escritores, colunistas, redatores, críticos literários. Talvez alguns deles nem cultivem o hábito de ler ficção e prefiram ler livros técnicos, história, jornalismo, esoterismo entre tantas outras coisas. Talvez nem leiam livros, prefiram quadrinhos, jornais, revistas ou mídias que ainda estão por serem criadas. Há tanto pra ler que é até uma forma de tolher o tal do “hábito de leitura” esperar que o aluno deva aprender a se alimentar apenas de José de Alencar, Mário de Andrade e Clarice Lispector.

Muito do que se considera contemporâneo hoje, não é tão contemporâneo assim.

2001. Esse foi o ano em que o primeiro filme de Harry Potter foi lançado. O primeiro livro é de 1997. Para se ter uma ideia da contemporização que estou tentando fazer aqui, meus alunos do 6º ano do Ensino Fundamental nasceram mais ou menos em 2010. Ou seja, não é raro ver que alguns não conhecem a famosa série do bruxinho, porque para eles isso já é velho.

O oposto também acontece, de alunos que antes dos catorze anos já viram todos os filmes e até leram os livros, mesmo que não todos. Nesse sentido, Os Lusíadas de Camões (Século XVI) com uma linguagem adaptada pode representar uma novidade muito maior.

E para quem torce o nariz para “linguagem adaptada” é importante saber que:
1. não precisamos ler obras integrais para abordar seus temas mais importantes e
2. não precisamos ir de capa a capa para estimular o gosto pela leitura.

e por fim…

 

… não precisamos oferecer o que está sempre à mesa.

Não é dever da escola atualizar os alunos com o que existe de mais recente no mercado editorial. Na verdade, alunos leitores — booktubers, booktokers, bookstans, para usar termos recentes; podem recomendar o que está saindo de melhor no Brasil e no Mundo com muita propriedade para seus professores. Podem dar aulas sobre o Wattpad, plataforma com mais de 70 milhões de usuários do mundo todo, na sua maioria jovens, interessados em ler e escrever.

O que o professor tem para oferecer de mais literariamente nutritivo para os seus alunos são as obras que possuem seu valor estético, social, linguístico e cultural desatreladas do tempo em que foram lançadas. Para um leitor em formação, obras atemporais possuem obstáculos e lacunas que podem ser retirados e preenchidas com a ajuda de um leitor mais experiente.

E o segredo para tranquilizar qualquer professor quando a juventude começar a falar que o livro está chato, é que eles não precisam gostar das obras para aprender com elas.

Quando o jovem leitor quiser se divertir e gostar do que está lendo, ele não vai precisar procurar muito para encontrar o que lhe agrade. Existe um mercado inteiro esperando por ele atualmente, assim como havia quando Harry Potter foi lançado?…

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