Nesta quarta-feira (29) é lembrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans, data instituída em 2004 para reforçar a luta por direitos e reconhecimento da população transexual e travesti no Brasil. Entre as dificuldades enfrentadas, a exclusão do mercado formal de trabalho é uma das principais barreiras, agravada por preconceitos e discriminações que afetam diversas áreas da vida dessas pessoas.
História de Bruna Valeska reflete desafios do mercado de trabalho
Bruna Valeska, mulher trans, enfrenta dificuldades para retornar ao mercado formal de trabalho desde que foi demitida há um ano e dois meses de uma loja de perfumaria e cosméticos. Segundo Bruna, a motivação principal para a demissão foi a transfobia praticada pela pessoa que gerenciava o estabelecimento. Até hoje, ela não recebeu os valores referentes à rescisão do contrato.
“Fui convidada para trabalhar nessa empresa com a promessa de um salário alto e bolsa de estudos para terminar a faculdade em Química. E em apenas quatro meses me mandaram embora”, conta Bruna. “E isso é uma constante. Eles contratam pessoas transexuais para trabalhar temporariamente e garantir o selo de empresa inclusiva”.
As dificuldades começaram antes mesmo da experiência profissional. Bruna foi expulsa de casa pela família e abandonou a universidade pública por falta de acolhimento. Sem dinheiro para se manter, precisou viver na rua por um período. Mesmo diante dos obstáculos, buscou qualificação e conquistou experiência em diferentes empregos. A primeira oportunidade surgiu após participar de um projeto da prefeitura do Rio de Janeiro, que a encaminhou para uma vaga como auxiliar de cozinha. Nos cinco anos seguintes, teve outros empregos registrados em carteira, mas relata tratamento desigual por parte das chefias.
“Existem muitas empresas que se dizem inclusivas, mas são rigorosas com as trans. Escolhem muito por beleza, indicação, formação, enquanto outros funcionários prestam as mesmas funções e não são exigidos dessa maneira”, afirma. “Não temos as mesmas oportunidades de crescimento das demais pessoas. Não adianta criar uma vaga específica para pessoas trans e você descobrir que, na mesma empresa, outras pessoas têm a mesma função com salários maiores”.
Atualmente, Bruna busca gerar renda pela internet enquanto se capacita na área de estética e beleza, esperando uma oportunidade de trabalho formal.
“Eu tenho sonho de voltar ao mercado de trabalho. Eu fiquei muito magoada porque abri mão de muitas coisas para estar na última empresa. E muitas pessoas como eu passam por essas contratações temporárias. Você abre mão de toda uma vida, para depois ficar sem nada”, diz Bruna. “A sociedade conta com um número grande de pessoas trans que passaram dos 35 anos, merecem uma oportunidade, merecem ficar no mercado de trabalho, ter profissão e requalificação”.
Violência contra pessoas trans e demandas por políticas públicas
No Brasil, a violência contra pessoas trans e travestis continua sendo uma questão alarmante. Em 2023, 122 pessoas trans foram assassinadas no país, conforme aponta a última edição do dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). O enfrentamento desse cenário é uma das pautas prioritárias no Dia Nacional da Visibilidade Trans.
Na segunda-feira (27), o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) lançou, em Brasília, a “Agenda de Enfrentamento à Violência contra as Pessoas LGBTQIA+”, contemplando medidas nas áreas de educação, segurança pública e meio ambiente. Durante o evento, a presidenta da Antra, Bruna Benevides, destacou a urgência de políticas públicas efetivas para garantir direitos fundamentais a essa população.
“O Estado controla quais são as vidas que serão valorizadas e quais são aquelas descartáveis”, afirmou Benevides. “É necessário interromper as dinâmicas de violência e de opressão”. Para ela, a desigualdade social e a ausência de políticas públicas agravam a vulnerabilidade da comunidade trans. “Quanto menos políticas públicas, mais retrocesso.”
Direitos garantidos na Constituição
Fabián Algarth, coordenador nacional do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) e representante do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, ressaltou a necessidade de que o Estado cumpra seu papel na garantia dos direitos constitucionais.
“A Constituição não é só um texto bonito. A garantia da dignidade de todas as pessoas, o acesso à segurança, saúde, educação, moradia e lazer, lá estão escritos. E a obrigação de fazer e de garantir é do Estado.”
A ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, reforçou a importância do compromisso do poder público e da sociedade na promoção da equidade. Segundo ela, o combate à transfobia, ao racismo e às desigualdades não deve ser tratado como uma “causa identitária”, mas como um aspecto essencial para a construção de uma sociedade mais justa. “A gente precisa compreender que as nossas lutas são estruturantes”, afirmou.
A ministra fez referência a um discurso de Martin Luther King sobre a chegada à terra prometida, destacando a continuidade das lutas pelos direitos humanos. “Pode ser que a gente não chegue lá. Mas, com certeza, muitas outras virão depois de nós, assim como nós sucedemos muitas outras que deram a sua vida, deram o seu esforço, deram a sua imaginação, a sua possibilidade de sonhar um outro mundo e que, muitas vezes, nós aqui concretizamos um pouco.”