Após a aprovação da “PEC da Blindagem” na Câmara dos Deputados em meio a uma manobra contestada, a bancada do PSOL e outros partidos, como Novo, Rede e PCdoB, articulam uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da medida. A ofensiva jurídica, que também conta com o apoio de entidades da sociedade civil, será iniciada caso o texto passe pelo Senado e seja promulgado, sob o argumento de que a proposta fere princípios fundamentais da Constituição, como a separação dos poderes e a isonomia.
A Proposta de Emenda à Constituição, que amplia a proteção a parlamentares na Justiça, foi aprovada em dois turnos na Câmara. A aprovação, no entanto, ocorreu após uma alteração no sistema de votação que é questionada por deputados governistas e de oposição.
Manobra na votação
O centro da controvérsia processual está na mudança do regime de registro de presença dos deputados durante a sessão. Inicialmente, a marcação era feita de forma presencial, por biometria, conforme estabelecido por um ato da mesa diretora de fevereiro deste ano.
Contudo, o sistema foi alterado para o modo virtual logo após a votação de um requerimento que pedia a retirada da PEC da pauta. Nesta primeira votação, com registro presencial, o quórum foi de 411 deputados, dos quais 266 votaram pela manutenção da matéria, número insuficiente para aprovar a proposta, que exige o mínimo de 308 votos.
Com a mudança para o registro virtual, o quórum na votação seguinte, sobre um requerimento de adiamento, subiu para 462 deputados. Esse aumento no número de presentes abriu caminho para a consolidação dos votos favoráveis à aprovação da PEC.
Durante a sessão, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) apresentou uma questão de ordem, alegando que o ato da mesa determina o regime presencial de terça a quinta-feira. Segundo a norma, a presidência da Casa só poderia instituir um regime diferente se a mudança fosse publicada com 24 horas de antecedência, o que não aconteceu. Diante do ocorrido, parlamentares da base governista consideram entrar com uma representação ou uma ação judicial no STF.
Argumentos de inconstitucionalidade
Partidos contrários à PEC, como PSOL, Novo, Rede e PCdoB, cujas bancadas votaram integralmente contra a proposta, fundamentam a futura ação no STF em um parecer jurídico. O documento aponta que a medida é materialmente inconstitucional.
O argumento central é que a PEC fere os princípios da isonomia e da separação dos poderes. Segundo o parecer, a proposta, na prática, “blinda” o Legislativo de ações do Judiciário e configura um desvio de finalidade por atender a interesses pessoais e corporativos, e não ao interesse público.
O texto do parecer afirma que a PEC “ao pretender ampliar de forma desproporcional as imunidades e prerrogativas parlamentares, pode configurar desvio de finalidade, uma vez que se presta mais à proteção pessoal/corporativa de congressistas do que ao fortalecimento institucional do Legislativo”.
O documento conclui que a proposição “afronta os limites materiais ao poder de reforma da Constituição, especialmente o princípio da separação de poderes e o princípio republicano, incorrendo em vício de inconstitucionalidade material”. Por isso, caso aprovada, “poderá ser objeto de controle de constitucionalidade pelo STF, com relevantes chances de declaração de inconstitucionalidade”.
Supremo como referência
O parecer jurídico baseia-se em jurisprudências do próprio STF. Uma das ações citadas, de 1990, questionava dispositivos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que ampliavam prerrogativas da assembleia local. Naquela ocasião, o Supremo declarou a inconstitucionalidade das normas por afronta à separação de poderes, fixando que este é uma cláusula pétrea e não pode ser restringida por emendas constitucionais.
Outro caso mencionado, de 1993, envolveu uma emenda à constituição de Roraima que alterava regras de iniciativa legislativa. O STF também a julgou inconstitucional por violação ao princípio da separação dos poderes.
Segundo a análise dos partidos, esses julgamentos consolidam o entendimento do STF de que “o poder constituinte derivado (…) não é soberano, devendo respeitar cláusulas pétreas”, que “a separação de poderes é núcleo intangível da Constituição” e que “tentativas de ampliar prerrogativas de um Poder em detrimento de outro configuram inconstitucionalidade material”.
Mobilização da sociedade civil
Além dos partidos, entidades da sociedade civil se manifestaram. O Instituto Não Aceito Corrupção divulgou uma nota na terça-feira (16) classificando a PEC como uma “tentativa sequer disfarçada de quebra grave e grotesca do sistema de freios e contrapesos constitucionais, destroçando totalmente o princípio da separação dos poderes”.
Para a entidade, a iniciativa propõe a criação de “uma verdadeira casta com alcunha jocosa de prerrogativa parlamentar para um nobre grupo de intocáveis, de pessoas acima do bem e do mal, afrontando-se também o princípio da isonomia constitucional”.
O presidente do instituto, Roberto Livianu, afirmou que a entidade vai operar para que o assunto chegue ao STF, considerando a proposta um “ataque grave, inconcebível e inominável ao Estado Democrático de Direito”.


















