A 17ª Cúpula do Brics, realizada no Rio de Janeiro neste domingo (6) e que segue nesta segunda (7), resultou na “Declaração do Rio”, um documento que consolida a posição do bloco em defesa de uma ordem internacional mais justa e representativa para o Sul Global. Os líderes dos 11 países-membros e nações parceiras estabeleceram diretrizes para aprofundar a cooperação econômica, tecnológica e de segurança, além de se posicionarem sobre os principais conflitos globais e desafios como as mudanças climáticas e a governança da inteligência artificial.
O documento final, com 126 pontos, expressa a visão do Brics de que o Sul Global é um “motor de mudanças positivas” diante do agravamento das tensões geopolíticas e da desaceleração econômica. Durante o encontro, sob a presidência do Brasil, foram aprovadas propostas para a criação de uma infraestrutura de comunicação independente, parcerias para a eliminação de doenças, e uma declaração específica sobre a governança da Inteligência Artificial.
O Brics é formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Indonésia. Juntos, representam 39% da economia mundial e 48,5% da população do planeta.
Cooperação econômica e financeira
No campo econômico, o Brics defendeu a renegociação das dívidas de países de renda baixa e média, pedindo a implementação do Marco Comum do G20 para Tratamento da Dívida. O presidente Lula criticou o FMI e o Banco Mundial, afirmando que as instituições “sustentam um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo mais desenvolvido”.
A declaração também propôs o início das discussões sobre uma iniciativa de Garantias Multilaterais (GMB) a ser incubada dentro do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o Banco do Brics. O mecanismo visa reduzir o risco de investimentos estratégicos no Sul Global, com um projeto piloto a ser desenvolvido ao longo de 2025.
Tecnologia, clima e desenvolvimento social
O avanço tecnológico foi um tema prioritário. O Brics aprovou a realização de um “Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica” para criar uma rede de comunicação de alta velocidade com cabos submarinos próprios. Segundo a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, o projeto busca aumentar “a velocidade, a segurança e a soberania na troca de dados”, que hoje dependem de uma infraestrutura concentrada no Norte Global. O estudo deve ser financiado pelo NDB.
Em uma declaração específica, o grupo defendeu uma governança global para a Inteligência Artificial (IA) centrada na ONU, com desenvolvimento em código aberto para garantir acesso equitativo. O documento aborda os riscos da tecnologia, como a disseminação de desinformação, vieses algorítmicos e impactos no mercado de trabalho. “O desenvolvimento da Inteligência Artificial não pode se tornar privilégio de poucos países ou um instrumento de manipulação na mão de bilionários”, declarou Lula.
Outras áreas de cooperação incluem:
. Saúde: Foi aprovada a “Parceria para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas”, inspirada em programas brasileiros. A iniciativa visa combater doenças como tuberculose, hanseníase e malária, que afetam principalmente populações em vulnerabilidade social.
. Clima: O bloco reafirmou que o financiamento climático é uma “responsabilidade dos países desenvolvidos” e apoiou a COP30, que será realizada em Belém. O grupo também rejeitou medidas protecionistas unilaterais sob o pretexto de preocupações ambientais.
. Direitos Humanos: A Carta do Rio incluiu um capítulo de compromisso contra “todas as formas de discriminação”, citando o combate ao racismo, xenofobia, intolerância religiosa e a promoção da igualdade para mulheres e pessoas com deficiência.
Paz, segurança e a reforma da governança global
Um dos eixos centrais da cúpula foi a discussão sobre paz e segurança. Na declaração, o Brics expressou “preocupação com os conflitos em curso em diversas partes do mundo e com o atual estado de polarização e fragmentação da ordem internacional”. O grupo também manifestou apreensão com o aumento dos gastos militares globais em detrimento do financiamento para o desenvolvimento.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a demora na reforma do Conselho de Segurança da ONU torna o mundo “mais instável e perigoso”. A declaração final do Brics referendou as aspirações de Brasil, Índia e dos países africanos por assentos permanentes no conselho, buscando torná-lo mais democrático e representativo.
Sobre os conflitos específicos, o Brics:
. Irã: Pela primeira vez, condenou diretamente os ataques militares contra o Irã ocorridos desde 13 de junho de 2025, classificando-os como “uma violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas”.
. Gaza: Apelou por um “cessar-fogo imediato, permanente e incondicional”, a retirada das forças israelenses do Território Palestino Ocupado e a libertação de todos os reféns e detidos. O bloco reafirmou o apoio à solução de dois Estados, com um Estado da Palestina soberano nas fronteiras de 1967. O Irã, em nota, divergiu, defendendo a solução de um Estado único.
. Ucrânia: Registrou as “posições nacionais” dos membros sobre o conflito e manifestou apreço por propostas de mediação, esperando que os esforços “conduzam a um acordo de paz sustentável”. O documento também condenou ataques contra infraestrutura civil em território russo.
. Outros conflitos: Manifestou preocupação com as crises no Sudão, Síria, Líbano e Haiti, defendendo soluções diplomáticas e lideradas localmente, com apoio da comunidade internacional e da ONU.


















