“É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil”, esta é a frase que consta no primeiro artigo da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, data que simboliza o Dia da Abolição da Escravatura. Mas afinal, é ou não é para celebrar?
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil foi o país da América que mais “importou” africanos para serem escravizados. Entre os séculos XVI e meados do século XIX, cerca de 4 milhões de homens, mulheres e crianças foram trazidos a força para o Brasil.
No século XXI, pretos e pardos são 55% da população brasileira. No entanto, de acordo com Censo 2022, eles também são maioria entre os que vivem em habitações sem esgoto adequado, por exemplo.
Pesquisadores alertam que a Lei Áurea não garantiu direitos fundamentais, como moradia, educação e saúde, e nem “humanizou” as pessoas que eram escravizadas.
“No dia 12 de maio os negros eram escravizados, no dia 13 eram livres, e no dia 14 eram ‘sem’ [sem teto e sem direitos]”, diz a professora Matilde Ribeiro, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.
A Lei Áurea
A Lei Áurea é composta por apenas dois artigos, o primeiro encerra a escravidão no Brasil e o segundo revoga as disposições que são contrárias à lei. Foram cinco dias desde a apresentação até a sanção da Lei Áurea.
- 3 de maio: princesa Isabel de Orleans e Bragança, exercendo a regência, abre o ano parlamentar com um discurso que pede o fim da escravatura;
- 8 de maio: Rodrigo Augusto da Silva, então ministro da Agricultura, envia o projeto de abolição da escravatura ao Parlamento;
- 10 de maio: projeto é aprovado pela Câmara dos Deputados;
- 13 de maio: projeto é aprovado pelo Senado Federal e a lei é sancionada pela princesa Isabel.
O coordenador do curso de História da Universidade Católica de Brasília, professor Cláudio Amorim, diz que por muito tempo a história do Brasil foi contada pela perspectiva do homem branco e eurocêntrico, “inclusive negando muitos fatores relacionados ao povo africano”.
De acordo com Matilde Ribeiro, do Conselho Consultivo do Instituto Brasil África e docente da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), o fim da escravatura também esteve sobre uma disputa de narrativas históricas.
Para os pesquisadores, a abolição no Brasil aconteceu por questões políticas e econômicas, e não por benevolência da princesa Isabel ou do Imperador D. Pedro II. Essas questões já eram articuladas há anos no país.
“A abolição não aboliu. Não foi um projeto inclusivo”, diz a professora Matilde Ribeiro sobre a falta de garantia de direitos aos libertos.
Entre os fatores que influenciaram a abolição estão:
- Revoltas populares, como a Revolta dos Malês (1835)
- Legislações, como a Lei Eusébio de Queirós (1850), Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885)
- Guerra do Paraguai (1864 – 1870)
- Confederação Abolicionista (1883)
- Pressão internacional
- Influência de intelectuais e abolicionistas, como Luís Gama, André Rebouças e Maria Tomásia Figueira Lima
Para Matilde Ribeiro, a data pode ter representado uma “falsa ideia de que somos todos irmãos”. Cláudio Amorim também reforça que a condição de vida das pessoas escravizadas “não mudou do dia para a noite”.
“A liberdade legal não foi acompanhada de medidas de integração social e de fomento econômico. Muitos escravizados enfrentaram condições de trabalho similares à escravidão”, explicou Cláudio Amorim.
É para celebrar?
O professor Cláudio Amorim diz que o 13 de maio não é colocado como um dia de celebração na perspectiva histórica. Devido a continuidade da “desumanização” enfrentada pelas pessoas que foram libertas, a data se apresenta para a reflexão sobre a escravidão e seus desdobramentos.
“É um momento de se considerar todas essas lutas, todos esses movimentos. Principalmente os dois movimentos, tanto das mobilizações populares abolicionistas como o próprio movimento dos escravizados”, aponta o professor.
Para ele, a data deve servir para discussões, como sobre os frequentes casos de racismo nos dias atuais e a importância de uma reparação histórica.
Trabalho análogo à escravidão
Em 2023, mais de 3 mil trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
De acordo com o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, o trabalho análogo à escravidão “é caracterizado pela submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou seu preposto”.
O maior número de ações e resgates no ano passado foi na região Sudeste, seguida do Centro-Oeste e Nordeste. Já entre os estados; Goiás, Minas Gerais e São Paulo foram os que tiveram mais trabalhadores resgatados.
Em outubro de 2023, a “lista suja” do governo federal com nomes de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão teve a sua maior atualização da história. Mais 204 nomes foram adicionados ao documento.