A foz do Rio Doce, entre os municípios de Linhares e Aracruz, no Norte do Espírito Santo, agora é oficialmente uma Área de Proteção Ambiental (APA). A nova unidade de conservação federal, com 45.417 hectares, foi criada por decreto assinado nesta segunda-feira (3) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e será gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A medida tem como principal objetivo preservar a biodiversidade local, fortalecer práticas sustentáveis e proteger os modos de vida tradicionais, em especial os afetados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 2015. O anúncio ocorreu durante cerimônia com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e do presidente do ICMBio, Mauro Pires.
Espécies ameaçadas terão mais proteção
A região abriga uma das mais ricas biodiversidades da costa brasileira, incluindo 255 espécies de aves, 47 de anfíbios, 54 de répteis e 54 de mamíferos. A APA também é habitat de diversas espécies marinhas ameaçadas, como a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), cuja única área continental de desova no Brasil está na foz do Rio Doce, e a tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta), incluída em novo plano nacional de conservação lançado pelo ICMBio.
Outro destaque é a toninha (Pontoporia blainvillei), considerada o mamífero marinho mais ameaçado do Brasil. A área também é rota de migração das baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae) e abriga espécies de peixes e camarões de importância econômica e cultural para a região.
Uso sustentável e participação local
A criação da APA não exigirá desapropriações, respeitando a posse e o domínio das terras por parte dos moradores. De acordo com a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a categoria permite o uso sustentável dos recursos naturais, assegurando a continuidade de atividades como a pesca artesanal, o cultivo de cacau sombreado e o turismo.
Para a comunitária Luciana Souza de Oliveira, moradora de Regência, filha de pescador e com histórico de atuação nos movimentos sociais, a APA representa um avanço importante. “A APA e sua criação ressurgem com força após o rompimento da barragem, mas ela antecede em muito tempo antes. Ela vai resguardar o conhecimento tradicional e a sustentabilidade da pesca”, afirmou. Ela também destacou a crescente ameaça do predadorismo e dos impactos climáticos sobre as áreas de pesca e as matas da região.
O ICMBio informou que será criado um Conselho Consultivo para garantir a gestão participativa da APA. O órgão terá representantes da sociedade e será responsável por validar ações como o Plano de Gestão Local (PGL), que definirá regras para a pesca sustentável, respeitando as práticas regionais.
“O ICMBio busca agilizar a criação do conselho da forma mais rápida possível. No entanto, tal formação do conselho é um processo que inclui capacitações dos futuros conselheiros, o que pode demandar um tempo um pouco maior para o seu estabelecimento”, explicou o analista ambiental Aldízio.
Acordo de reparação e novas perspectivas
A criação da APA da Foz do Rio Doce faz parte de um acordo judicial firmado para reparar os danos causados à população após o desastre da barragem de Fundão. Segundo o analista ambiental e chefe da Reserva de Comboios, Antônio de Pádua, a medida permitirá ordenar e manter as características artesanais da pesca, com participação ativa das comunidades locais.
“Agora, a área vai ser gerida por um conselho, que contará com participação do público que usa a região, como comunidade quilombola e pescadores. Vai ser uma gestão federal, mas com participação local”, disse Pádua.
Além disso, há a expectativa de instalação de um Instituto Federal de Educação voltado à economia do mar. A proposta é oferecer formação profissional para os jovens da região, com foco em atividades ligadas ao mar e à economia portuária. “É importante para o Estado e importante para a região também”, afirmou Joca Thomé, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação das Tartarugas Marinhas e Biodiversidade do Mar do Leste do ICMBio.
Além da APA da Foz do Rio Doce, o decreto presidencial criou outras duas unidades de conservação no Paraná: Faxinal São Roquinho, com 1.231,50 hectares, e Faxinal Bom Retiro, com 1.576,54 hectares. Ambas buscam preservar os remanescentes de florestas de araucárias e apoiar os povos faxinais, comunidades tradicionais que criam animais soltos em terras coletivas.