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Quem foi Xica Manicongo, homenageada no Carnaval deste ano

06 mar 2025 - 10:30

Redação Em Dia ES

por Julieverson Figueredo

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Desfile da Paraíso do Tuiuti trouxe à Sapucaí a luta e o reconhecimento da personagem histórica, símbolo de resistência
Quem foi Xica Manicongo, homenageada no Carnaval deste ano. Foto: Reprodução | Arte: Em Dia ES

O Em Dia ES dá início hoje a uma série de reportagens especiais para celebrar o Mês da Mulher. Para abrir a série, a história de Xica Manicongo, reconhecida como a primeira travesti não indígena do Brasil, que foi destaque na Marquês de Sapucaí com o desfile da Paraíso do Tuiuti. A escola de samba apresentou o enredo “Quem tem medo de Xica Manicongo?” no último dia dos desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro, alcançando a 10ª colocação com 268,7 pontos.

Quem foi Xica Manicongo?
Nascida no século 16 no Congo, Xica foi trazida ao Brasil como escravizada e viveu em Salvador, onde trabalhava como sapateira na Cidade Baixa. Seu sobrenome, “Manicongo”, era um título usado no Reino do Congo para se referir a líderes e divindades, o que sugere uma posição de importância em sua terra natal.

Xica foi denunciada em 1591 ao Tribunal do Santo Ofício por “crime de sodomia”, acusação feita pelo português Matias Moreira. Entre os “delitos” apontados estavam sua orientação sexual e a forma como se vestia, contrariando as normas impostas pela colônia. Como punição, foi forçada a vestir roupas masculinas e adotar um nome masculino, sob pena de ser queimada viva caso não cumprisse.

Representação no desfile
Quatro mulheres trans e travestis deram vida a Xica Manicongo na avenida. A comissão de frente contou com a dançarina Daniela Raio Black, enquanto a cantora Hud a representou como sacerdotisa quimbanda no Reino do Congo.

No carro alegórico que retratou Salvador, a cantora Pepita personificou Xica na condição de escravizada. Já Bruna Maia surgiu em meio a uma encenação sobre a Inquisição, simbolizando a perseguição que Xica enfrentou. Ao todo, o desfile contou com 28 pessoas trans, conforme a assessoria da escola.

A importância de Xica Manicongo para a comunidade LGBTQIA+ se reflete também fora do Carnaval. Em 2022, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou um projeto de lei para nomear uma via da cidade em sua homenagem. O texto, assinado pela então vereadora Erika Hilton (PSOL-SP), destacou que “Xica representa a luta das travestis brasileiras pelo direito à memória e ao reconhecimento”.

A história e os registros documentais
O compositor Cláudio Russo contou, em entrevista ao Brasil de Fato, como foi o processo de composição do samba que embalou a escola na terceira noite do Carnaval do Rio.

“Eu conheci uma entidade chamada Dona Praia e ela consta na letra do samba. Ela foi me contando tantas coisas que eu percebi isso que você falou em off, eu não poderia fazer um samba com uma narrativa comum, começo, meio e fim. Eu percebi que a Xica era muito mais do que um personagem da história. É uma ideia”, afirmou Russo.

Sequestrada no Congo para ser escravizada em Salvador no século 16, Xica Manicongo foi batizada como Francisco. Sua história foi descoberta pelo antropólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, que encontrou nos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa, uma denúncia de sodomia feita em 1591 à Inquisição.

Segundo os documentos, Xica faria parte de “uma quadrilha de feiticeiros sodomitas”. A palavra sodomia se refere a uma interpretação de uma passagem bíblica que faz referência a atos considerados imorais. Os arquivos diziam também que Xica, que trabalhou como sapateira na capital baiana, tinha grande resistência em usar roupas ligadas ao imaginário masculino.

Após ser denunciada, Xica foi condenada a ser queimada viva em praça pública, e seus descendentes desonrados até a terceira geração. Para não sofrer a condenação, ela deixou de lado o vestuário e os modos femininos e passou a se comportar como um homem. De acordo com a literatura, Xica foi definida como travesti pela primeira vez, na década de 2000, por Majorie Marchi, então presidente da Associação de Travestis e Transexuais do Rio de Janeiro (Astra-Rio).

Hoje, Xica é lembrada como um símbolo de resistência para a população LGBTQIAP+ negra e periférica. Seu nome é frequentemente citado em estudos sobre gênero, raça e escravidão no Brasil. Em Salvador e em outras partes do Brasil, a memória de Xica Manicongo tem sido resgatada por movimentos populares, artistas e historiadores que buscam dar visibilidade às histórias de pessoas LGBTQIAP+ na diáspora africana.

Ela também é citada em produtos culturais e artísticos, como na música “Amor Amor” da cantora e compositora Linn da Quebrada, e tem seu nome estampado em coletivos e institutos, como o Quilombo Urbano Xica Manicongo, em Niterói (RJ).

Em 2022, as então vereadoras de São Paulo (SP) pelo PSOL Elaine do Quilombo Periférico, Luana Alves e Erika Hilton (hoje deputada federal) propuseram nomear uma rua de Xica Manicongo, no Distrito do Grajaú, na Zona Sul da capital paulista. O projeto chegou a ser aprovado pela Câmara Municipal, mas foi vetado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB). Na justificativa, o emedebista informou que “a descrição da via não é suficiente para identificação do logradouro a ser denominado”.

Confira o samba-enredo do Paraíso do Tuiuti
Vim da África Mãe, ê-ô
Mas se a vida é vã, ê-ô (mumunha)
Kimbanda me fiz, nganga é raiz
Eu pego o touro na unha

Ê pajubá
Acuendar sem xoxar pra fazer fuzuê
É mojubá
Põe marafo, fubá e dendê (pra Exu)
Ê pajubá
Acuendar sem xoxar pra fazer fuzuê
É mojubá
Põe marafo, fubá e dendê

Só não venha me julgar, ô-ô
Pela boca que eu beijo
Pela cor da minha blusa
E a fé que eu professar
Não venha me julgar
Eu conheço o meu desejo
Este dedo que acusa
Não vai me fazer parar

Faz tempo que eu digo não
Ao velho discurso cristão, sou Manicongo
Há duas cabeças em um coração
São tantas e uma só, eu sou a transição
Carrego dois mundos no ombro

Vim da África Mãe, ê-ô
Mas se a vida é vã, ê-ô, mumunha
Kimbanda me fiz, nganga é raiz
Eu pego o touro na unha
Vim da África Mãe, ê-ô
Mas se a vida é vã, ê-ô, mumunha
Kimbanda me fiz, nganga é raiz
Eu pego o touro na unha

(Eu sou) a bicha, invertida e vulgar
A voz que calou o ‘cis tema’
A bruxa do conservador
O prazer e a dor
Fui pombogirar na jurema
Chama a Navalha, a da Praia e a Padilha
As perseguidas na parada popular
E a Mavambo reza na mesma cartilha
Pra quem tem medo, o meu povo vai gritar

Eu, travesti
Estou no cruzo da esquina
Pra enfrentar a chacina
Que assim se faça
Meu Tuiuti
Que o Brasil da terra plana
Tenha consciência humana
Xica vive na fumaça

Ê pajubá
Acuendar sem xoxar pra fazer fuzuê
É mojubá
Põe marafo, fubá e dendê (pra Exu)
Ê pajubá
Acuendar sem xoxar pra fazer fuzuê
É mojubá
Põe marafo, fubá e dendê

Só não venha me julgar, ô-ô
Pela boca que eu beijo
Pela cor da minha blusa
E a fé que eu professar
Não venha me julgar
Eu conheço o meu desejo
Este dedo que acusa
Não vai me fazer parar

Faz tempo que eu digo não
Ao velho discurso cristão, sou Manicongo
Há duas cabeças em um coração
São tantas e uma só, eu sou a transição
Carrego dois mundos no ombro

Vim da África Mãe, ê-ô
Mas se a vida é vã, ê-ô, mumunha
Kimbanda me fiz, nganga é raiz
Eu pego o touro na unha
Vim da África Mãe, ê-ô
Mas se a vida é vã, ê-ô, mumunha
Kimbanda me fiz, nganga é raiz
Eu pego o touro na unha

(Eu sou) a bicha, invertida e vulgar
A voz que calou o cis tema
A bruxa do conservador
O prazer e a dor
Fui pombogirar na jurema
Chama a Navalha, a da Praia e a Padilha
As perseguidas na parada popular
E a Mavambo reza na mesma cartilha
Pra quem tem medo, o meu povo vai gritar

Eu, travesti
Estou no cruzo da esquina
Pra enfrentar a chacina
Que assim se faça
Meu Tuiuti
Que o Brasil da terra plana
Tenha consciência humana
Xica vive na fumaça

Ê pajubá
Acuendar sem xoxar pra fazer fuzuê
É mojubá
Põe marafo, fubá e dendê (pra Exu)
Ê pajubá
Acuendar sem xoxar pra fazer fuzuê
É mojubá
Põe marafo, fubá e dendê

Ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô, ô, ô

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Atualizado: 06/03/2025 10:34

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