Alguns medicamentos podem trazer efeitos colaterais que afetam a habilidade de uma pessoa dirigir. Pensando nisso, a Abramet (Associação Brasileira de Medicina do Tráfego) lançou uma diretriz inédita listando os principais remédios que podem ser perigosos para a condução.
O documento, publicado em fevereiro, tem como objetivo orientar políticas públicas e prestar serviço à população, chamando a atenção para os cuidados que o motorista deve tomar ao assumir a direção.
A diretriz foi elaborada com base em referências científicas nacionais e internacionais e na análise de especialistas da relação entre os MPPCVA (medicamentos potencialmente prejudiciais ao condutor de veículos) com a direção.
“Essa diretriz é uma contribuição estratégica que oferecemos ao médico do tráfego brasileiro e a todos os atores do sistema de trânsito e da saúde. Nosso objetivo é atualizar o conhecimento científico disponível sobre os efeitos de diversas medicações sobre o paciente e sua relação com a direção veicular”, comenta Antonio Meira Júnior, presidente da entidade, em comunicado publicado no site da Abramet. “Na medida em que o uso de medicamentos diversos se acentua, é nosso papel manter o especialista e as autoridades atualizados sobre o assunto”.
Em 2015, durante a 2ª Conferência Global de Alto Nível sobre Segurança no Trânsito, a OMS (Organização Mundial da Saúde) já havia chamado a atenção para os medicamentos que afetam a direção segura, elencando-os como fatores de risco para a segurança viária.
A seguir, veja os medicamentos que podem interferir na segurança ao dirigir e que estão listados nas diretrizes da Abramet.
Opioides
Segundo o documento, os analgésicos opioides estão associados a um risco maior para ferimentos graves, óbito de condutores e um risco 50% maior de se envolver em acidentes que necessitam de hospitalização. Isso porque esses medicamentos estão relacionados a efeitos como sedação, diminuição do tempo de reação, reflexos e coordenação, déficit de atenção, miose (contração da pupila) e diminuição da visão periférica.
Ainda de acordo com a análise dos especialistas, outros analgésicos como AAS (ácido acetilsalicílico), anti-inflamatórios não-esteroides e paracetamol não estão relacionados com sinistros automobilísticos.
Relaxantes musculares
De acordo com o estudo, o carisoprodol, um tipo de relaxante muscular, pode causar efeitos como sedação, raciocínio lento e falha de atenção. Com isso, há um risco aumento de envolvimento em acidentes de trânsito com vítimas, logo na primeira semana de uso.
Além disso, o ciclobenzaprina também está associado a efeitos adversos no desempenho da condução, como fadiga, sonolência, visão turva e confusão mental.
Ansiolíticos, sedativos e hipnóticos
Os ansiolíticos estão relacionados a um risco maior de envolvimento em acidentes automobilísticos, com uma chance maior de serem os responsáveis pelo evento indesejável. É o caso dos benzodiazepínicos, como clonazepam, diazepam, flunitrazepam, flurazepam, lorazepam, nitrazepam, temazepam e triazolam.
Os hipnóticos “Z”, como zolpidem, zopiclone, eszopiclone, lemborexant, também têm efeitos prejudiciais para a condução veicular segura, segundo evidências científicas.
Antidepressivos
Segundo os autores das diretrizes, a grande maioria dos medicamentos antidepressivos, quando usados corretamente, não aumentam o risco na direção. No entanto, quando prescritos com outros medicamentos psicotrópicos, o potencial de prejuízo na condução veicular aumenta significativamente.
É o caso dos antidepressivos tricíclicos (em doses maiores ou iguais a 125 mg por dia, nas duas primeiras semanas de tratamento) e mirtazapina (no tratamento inicial com doses inferiores a 30 mg) e trazodona (que pode causar efeitos como perda de memória, sedação, sonolência e alterações cognitivas e motoras).
Anti-histamínicos
De acordo com o estudo, os anti-histamínicos da primeira geração (difenidramina, triprolidina, terfenadina, dexclorfeniramina, clemastina) podem trazer alto prejuízo ao desempenho do condutor de um veículo. Já os da segunda geração (cetirizina, loratadina, ebastina, mizolastina, acrivastina, emedastina, mequitazina), podem afetar negativamente a condução.
Já os medicamentos da terceira geração são mais novos e não comprometem a direção após a administração única e repetida, segundo a análise.
Outros medicamentos
De acordo com as diretrizes, outros medicamentos também podem trazer riscos à condução. É o caso de:
Hipoglicemiantes: apresentam maior risco para os motoristas com diabetes, devido à possibilidade da ocorrência de hipoglicemia moderada ou grave;
Anticonvulsionantes: os barbitúricos (fenobarbital, fenitoína, carbamazepina, valproato de sódio) provocam sonolência, prejudicam a concentração, o raciocínio, a atenção e atividades psicomotoras;
Antiparkinsonianos: o tratamento prolongado com levodopa pode originar efeitos colaterais como flutuações motoras, ataques de sono e discinesias (movimentos musculares involuntários);
Anfetaminas: pode aumentar perigosamente a autoconfiança do condutor, tornando-o agressivo no início e apático após o efeito agudo, prejudicando o desempenho do motorista. Os medicamentos com metilfenidato, usados no tratamento do TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) podem tornar a direção veicular mais segura para pessoas com o transtorno;
Antipsicóticos: pacientes com esquizofrenia e transtorno bipolar tratados com antipsicóticos podem apresentar comprometimento na condução de veículos. Desses, os tratados com antipsicóticos de segunda geração apresentaram menor prejuízo e a maioria melhorou ou estabilizou significativamente as habilidades de condução com o decorrer do tratamento;
Antipsicóticos utilizados no tratamento da esquizofrenia: os atípicos são mais bem tolerados e mais eficazes no tratamento de sintomas negativos, enquanto os típicos estão altamente associados a efeitos adversos relevantes para a segurança no tráfego;
Canabinoides: os produtos medicinais da cannabis com THC podem prejudicar a capacidade de condução veicular devido aos seus efeitos na cognição, função visual e coordenação motora, que podem persistir por várias horas após o uso.
Para o presidente da Abramet, os efeitos do uso de remédios sobre a direção devem entrar no radar das autoridades, tanto no poder Executivo, quanto no Legislativo. “Esta diretriz pode orientar a formulação de uma norma na área da saúde, levando para a embalagem dos medicamentos o alerta visual de risco para o condutor, quando pertinente”, diz Meira Júnior.
“Esse é um assunto de grande relevância, que desafia o médico do tráfego diariamente nos seus atendimentos e precisa ser considerado quando da realização dos exames de aptidão”, justifica Flávio Emir Adura, diretor científico da Abramet. “A diretriz traz a informação científica mais recente e relevante, uma ferramenta para a melhor tomada de decisões pelo médico”, acrescenta.
A entidade também recomenda que os médicos que prescrevem esses medicamentos informem aos pacientes os impactos potenciais das medicações sobre a condução veicular e oriente o cuidado redobrado durante o uso. O documento também orienta o paciente a perguntar ao médico de confiança se o remédio receitado por ele pode prejudicar a direção.
O diretor científico da Abramet coordenou o grupo de médicos especialistas em medicina do tráfego que prepararam a diretriz. Além do presidente da Abramet, também participaram da construção da diretriz os especialistas: Adriano Isabella, Alysson Coimbra de Souza, Aquilla Couto, Arilson de Souza, Ester Vago, Fhilipe Xavier Camara, Joan Faber, João Roberto Adura, José Heverardo Montal, Lilian Kondo, Ricardo Hegele, Silvia Heringer e Victor Mendoza Ramos.