Anália Stabile, 26, advogada de Campo Grande, conta que o filho Heitor, de 6 anos, tinha o hábito de enrolar a pontinha da mamadeira no ouvido quando era menor.
“No último Natal, em 2021, meu filho foi passar as festas na casa da nossa família, mas não fui porque estava grávida e não podia viajar. E, segundo ele, ficou com saudades da ‘naninha’, fez a tal pontinha e a colocou no ouvido, só que ao retirar, ficou uma ponta lá dentro”, relata a mãe.
Depois de alguns meses, todas as vezes que ela realizava a higienização da orelha do filho com cotonete, ele reclamava de dor, por isso decidiu ir até um otorrinolaringologista. Após avaliação na clínica, o diagnóstico foi de algo parecido com um algodão.
Nas várias tentativas de tirar, Heitor gritava, chorava e pedia socorro. Então decidiram imobilizá-lo com a ajuda de uma enfermeira e do marido de Anália. Só assim o especialista conseguiu fazer a remoção com a pinça e constatou-se que era uma bolinha de papel higiênico. Por conta do tempo, a região ficou infeccionada, mas foi tratada com antibiótico e ficou tudo bem.
Susto com bicho vivo
Esther Roithmann, 59, médica psiquiatra de Porto Alegre, relata que após acordar no meio da noite, voltou a deitar e quando encostou a cabeça de lado no travesseiro, sentiu uma pressão no ouvido que passou rapidamente.
“Na hora, achei ter sido por ter deitado rápido. De manhã, atendendo um paciente no consultório, senti uma forte dor, que cessava e retornava acompanhada de um barulho. Interrompi o atendimento porque a dor estava bem forte e liguei para o meu otorrino”, lembra.
No exame, veio o susto. Era uma traça que parecia estar viva dentro do ouvido. O otorrino colocou água que fez o inseto cair em um recipiente. No mesmo instante, a dor e o desconforto passaram. Desde então a médica passou a revisar o travesseiro antes de deitar. Melhor prevenir.
O que acontece no ouvido?
Manoel de Nobrega, otorrinolaringologista e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que corpos estranhos animados, geralmente insetos, produzem ruídos e grande desconforto aos pacientes com seus movimentos, por isso pode haver zumbido. Por isso é necessário que sejam imobilizados e mortos com óleo ou éter, o que evita maiores complicações locais.
Já os corpos estranhos inanimados, como sementes, algodão ou borracha podem absorver água dentro da orelha, podendo inchar e tapá-la, o que prejudica a audição, além de facilitar o desenvolvimento de infecções.
Nobrega afirma que a idade com maior índice de complicações costuma ser de 0 até 6 anos, tendo uma leve predominância no gênero masculino. A anestesia geral ou sedação pode ser utilizada quando a criança não consegue permanecer imóvel.
Os objetos mais comumente removidos incluem papel/lenço de papel, grãos de pipoca ou feijão, peças de brinquedos, pedaços de alimentos, pequenas pedras, entre outros, e respondem por pouco mais da metade dos casos.
Certos tipos de objetos, como aquelas baterias em formato de círculo do tipo botão, requerem remoção urgente devido ao risco de lesão tecidual (da pele da orelha) e de até mesmo intoxicação sistêmica, que é quando o organismo absorve algo tóxico, por causa do conteúdo que pode vazar para dentro dentro do ouvido.
Sinais e riscos
Renato Roithmann, presidente da ABORL-CCF (Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervicofacial), alerta que os sinais não são evidentes em casos de crianças, pois elas não costumam contar o que aconteceu.
No entanto, pode haver dor e até diminuição da audição. Se algum inseto entra no ouvido, existe muito incômodo provocado pelo batimento das asas ou do movimento, que gera um barulho na região.
Antes de mais nada, é preciso saber que os riscos dependem dos seguintes fatores:
. Dimensão do corpo estranho e presença de arestas pontiagudas na superfície do objeto;
. Profundidade em que o objeto está alojado;
. Eventuais lesões provocadas nas estruturas da orelha;
. Tentativas de remoção de forma inadequada;
. O tempo que levou para ser retirado.
. Tudo isso deixará mais difícil uma abordagem especializada posterior.
Thiago Bezerra, médico especialista em otorrinolaringologista, membro da ABORL-CCF e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), aponta que, no curto prazo, o risco é de provocar uma otite externa, que é uma inflamação do conduto auditivo externo, aquela parte do “corredor dentro da orelha”.
Nisto, o corpo estranho afeta na descamação e nos processos de renovação da pele e da parte externa. Essa alteração no processo de descamação, junto com a umidade, contribuem para uma proliferação bacteriana.
Em relação aos insetos, os problemas são outros. Além de resultar em inflamação, da mesma forma como os corpos inanimados, pode acontecer de haver uma infecção pela picada, contaminação ou envenenamento.
Um carrapato, por exemplo, traz o risco de infecção devido a sua bactéria, assim como outros insetos mais agressivos. Eles podem causar um machucado ou perfuração na membrana timpânica, parte responsável pela vibração e condução do som.
Em caso de o objeto ou pequeno inseto ficar por períodos prolongados no ouvido, é possível ter reações como inflamação que causa dor, coceira, infecção, mau cheiro, otorreia purulenta (pus) e inchaço, e o desconforto do paciente aumenta se ele tentar a remoção.
Existe algo a se fazer em casa ou devo correr para o médico?
Todo o procedimento de remoção deve ser feito apenas pelo médico otorrinolaringologista que tem a experiência e todo o material específico para os diferentes problemas.
Uma eventual manipulação equivocada ou excessiva pode gerar:. Laceração do meato (machucado no “buraco” da orelha);
. Perda auditiva ou perfuração da membrana timpânica;
. Comprometimento de labirinto membranoso (órgão localizado na parte interna do ouvido);
. Inchaço de conduto, região constituída de osso e cartilagem que começa na parte de fora da orelha e vai até o interior;
. Hematoma, ou causar deslocamento mais profundo do objeto.
Além disso, quando há falha na primeira tentativa de remoção, torna-se mais difícil realizar as próximas por causa de sangramentos que podem acontecer e atrapalhar a visualização do corpo estranho.
No começo de junho, uma mulher ficou mais de um dia com uma barata no ouvido em Cabo Frio (RJ), após não conseguir atendimento para a remoção do inseto por falta de material na rede pública de saúde.
As tentativas de remoção caseira com lavagem e uso de objetos caseiros, como cotonete ou ponta de chaves pioram a situação, provocando sinais e sintomas inflamatórios mais graves, e isso gera uma difícil manipulação local que obriga o especialista a recorrer à anestesia geral.
No caso dos insetos, o médico presidente da ABORL-CCF esclarece que o importante é fazer com que o inseto pare de se mexer. Para isto, é indicado pingar 3 ou 4 gotas de álcool na orelha.
Na grande maioria das vezes, isso mata o corpo estranho e ele acaba parando de se mexer, o que pode eliminar os sintomas de dor e desconforto, assim como o ruído.
Dessa maneira, o inseto morre literalmente afogado, mas só isso não basta, é indispensável ir ao médico para um exame, que fará a remoção com instrumentos próprios para cada caso, fazer sucção ou mesmo lavagem com seringas especiais com água.