Diversos países do mundo, incluindo Argentina, Chile e México, já iniciaram suas vacinações
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai ter que trabalhar sob pressão do prazo de 10 dias, já que não recebeu até esta terça-feira nenhum pedido para uso emergencial de vacinas contra a Covid-19, para liberar o governo federal a iniciar em 20 de janeiro o processo de imunização, como prometido no melhor cenário.
Esperava-se que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentasse a solicitação até quarta-feira, mas pedidos adicionais de informações por parte da Anvisa a respeito da vacina desenvolvida pela AstraZeneca, a ser importada da Índia, adiaram essa data para até sexta-feira.
Uma vez que o Ministério da Saúde informou que iniciará a vacinação em até cinco dias após a Anvisa aprovar algum imunizante, a agência de vigilância precisará analisar qualquer pedido que receber antes dos 10 dias de prazo estipulado para que o governo federal consiga iniciar a vacinação no dia 20 de janeiro — o que foi apresentado pelo Ministério da Saúde como melhor cenário.
No pior cenário, o início da vacinação foi previsto para 10 de fevereiro.
“Vejo com a maior preocupação a situação em que estamos, porque é muito curioso um governo que está preocupado em retomar a economia o tempo inteiro, que quer abrir as atividades para voltar ao normal, no momento que o mundo sabe que a vacina é necessária para isso, não tem uma iniciativa para garantir as vacinas”, disse à Reuters Cristina Bonorino, integrante do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia. “Parece que tem mais a ver com a negação da pandemia. Está difícil encontrar uma lógica”, acrescentou.
Inicialmente prevista para começar apenas em março, a campanha nacional de imunização teve a previsão de início antecipada para o final deste mês, após o governo federal ser pressionado pelo anúncio feito pelo governo de São Paulo de que começaria a vacinar no Estado em 25 de janeiro. Além disso, diversos países do mundo, incluindo Argentina, Chile e México, já iniciaram suas vacinações.
Para acelerar o cronograma, a Fiocruz acertou com a AstraZeneca a importação de 2 milhões de doses prontas da vacina desenvolvida pela farmacêutica produzidas no Instituto Serum, da Índia. A intenção é usar essas doses enquanto a Fiocruz inicia o processo de fabricação própria do imunizante a partir de insumos importados da AstraZeneca.
No entanto, o fato de a vacina a ser importada ter origem diferente daquela que está em estudo clínico no Brasil, e que será produzida pela Fiocruz posteriormente, levou a Anvisa a solicitar informações adicionais à fundação para comparar as duas, além de dados de qualidade e condições de boas práticas de fabricação e controle.
“Para a autorização, a agência precisa avaliar os estudos de comparabilidade entre a vacina do estudo clínico, que é fabricada no Reino Unido, com a vacina fabricada na Índia, bem como os dados de qualidade e condições de boas práticas de fabricação e controle. Ou seja, é necessário entender se o produto do fabricante indiano é semelhante ao fabricado no Reino Unido e que teve os dados clínicos aprovados”, disse a Anvisa em nota.
O fato de o imunizante da AstraZeneca que a Fiocruz vai importar ser produzido na Índia não estava nas tratativas iniciais entre a Fiocruz e a Anvisa, segundo uma fonte com conhecimento direto do assunto.
Por isso, nas reuniões técnicas entre Anvisa e Fiocruz está sendo realizado um checklist que segue um padrão internacional para verificar características como a planta da produção, uso de equipamentos de biossegurança, procedência e qualidade dos insumos, envase e conservação da vacina e transporte até chegar ao Brasil, segundo a fonte.
O detalhismo tem por objetivo que a Fiocruz apresente um pedido robusto para que a autorização para uso emergencial da vacina saia antes dos 10 dias de prazo, acrescentou a fonte.
“Quanto mais refinado o pedido, melhor para todo mundo”, disse, ao lembrar que um pedido pouco embasado pode demorar caso “caia em exigência”.
Apesar desse pente-fino, o Serum não é desconhecido da Anvisa. Ao contrário, a fábrica indiana já recebeu no primeiro semestre do ano passado uma certificação de boas práticas da agência para um outro produto.
CRONOGRAMA
Questionada sobre os prazos apertados para que seja cumprido o cronograma do governo para o começo da vacinação em 20 de janeiro, a Anvisa disse que “não é possível falar sobre prazos de processos que ainda não foram apresentados à Anvisa. Tratamos apenas de informações oficiais”.
Em nota separada, a Fiocruz informou que aguarda o recebimento das informações necessárias, a serem enviadas pela AstraZeneca e o Serum, e a finalização das tratativas, para formalizar o pedido à Anvisa de autorização para seu uso emergencial.
“O objetivo do alinhamento é garantir que os dados sejam submetidos de acordo com os requisitos estabelecidos pela agência, para que a avaliação ocorra o mais rapidamente possível”, disse a Anvisa.
Além das exigências adicionais da Anvisa, a importação das doses prontas depende da conclusão das negociações com o Serum. Na segunda-feira, o Ministério da Relações Exteriores foi acionado para auxiliar, depois que o instituto indiano anunciou que primeiramente atenderia à demanda interna para só então realizar exportações.
Nesta terça-feira, o Itamaraty afirmou em nota conjunta com o Ministério da Saúde que o governo da Índia não tem qualquer proibição de exportação de vacinas para outros países, e a expectativa é que a importação de doses do imunizante da AstraZeneca produzidos no país asiático cheguem ao Brasil em meados deste mês.
PFIZER E CORONAVAC
Além da vacina da AstraZeneca, havia a expectativa desde o final do ano passado de um pedido de autorização de uso emergencial pelo laboratório Pfizer, o que, no entanto, ainda não aconteceu, enquanto prossegue um impasse nas negociações para venda de vacinas ao governo federal.
O presidente Jair Bolsonaro, que já afirmou que não tomará vacina contra Covid-19, tem atacado a empresa por exigir isenção de qualquer responsabilidade por eventuais efeitos colaterais da vacina e por se recusar a ser julgada nos tribunais do país. Ele afirmou que são os laboratórios que precisam correr atrás de registros de vacinas para vender ao Brasil.
Do outro lado, a Pfizer diz que ainda não pediu o registro emergencial porque, segundo a empresa, o contrato para fornecimento do imunizante com o governo brasileiro ainda não foi fechado.
Terceiro imunizante no plano de vacinação do governo federal, a CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac e que será produzida pelo Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo, também sofreu um atraso no cronograma previsto para pedido de aprovação à Anvisa.
O pedido estava previsto para 23 de dezembro, quando também seria divulgada a eficácia da vacina pelo Butantan, mas até o momento não houve anúncio de eficácia nem pedido à Anvisa. De acordo com o instituto, a Sinovac pediu prazo adicional para analisar os dados.
O anúncio agora está previsto para quinta-feira, e há a expectativa de que seja seguido pelos pedidos à Anvisa tanto para uso emergencial quanto para registro definitivo da vacina. O governo paulista tem insistido que começará a vacinação em 25 de janeiro com a CoronaVac, apesar do adiamento. Segundo o Butantan, há 10,8 milhões de doses da vacina já no Brasil.
Enquanto segue sem vacina, o Brasil caminha para superar a trágica marca de 200 mil mortes por Covid-19. Até o momento, são mais de 196 mil vítimas fatais da doença, que tem mais de 7,7 milhões de casos confirmados no país. Apenas os EUA registraram mais mortes por Covid-19.