Mais de 1 bilhão de pessoas estão vivendo com obesidade no mundo, de acordo com uma análise global publicada na revista The Lancet nesta quinta-feira (29). A pesquisa foi feita em colaboração com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Os dados mostram que a doença mais do que dobrou entre adultos e quadruplicou entre crianças e adolescentes de 5 a 19 anos, no período entre 1990 e 2022.
Segundo a análise, 159 milhões de crianças e adolescentes e 879 milhões de adultos viviam com obesidade em 2022. Em 1990, o número de meninos e meninas obesos era de 31 milhões, enquanto o de adultos era de 195 milhões.
Entre meninas e meninos, as taxas de obesidade foram quatro vezes maiores do que em 1990 (de 1,7% para 6,9% e de 2,1% para 9,3%, respectivamente). O número de crianças e adolescentes que estavam em baixo peso em 2022 também reduziu, de 10,3% em 1990 para 8,2% em 2022, em meninas, e de 16,7% para 10,8%, em meninos.
Em adultos, as taxas de obesidade mais do que dobraram entre as mulheres (8,8% para 18,5%) e quase triplicaram nos homens (4,8% para 14%), entre 1990 e 2022. A proporção de adultos com baixo peso também caiu pela metade nesse período, indo de 14,5% para 7%, nas mulheres e 13,7% para 6,2%, nos homens.
Obesidade e má nutrição
Esses dados sugerem que a obesidade se tornou a forma mais comum de má nutrição na maioria dos países. As nações insulares no Pacífico e no Caribe e países do Oriente Médio e Norte de África foram os que apresentaram as maiores taxas combinadas de baixo peso e obesidade.
A má nutrição é responsável por metade das mortes de crianças menores de 5 anos e a obesidade pode causar doenças não transmissíveis, como doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer.
“É muito preocupante que a epidemia de obesidade que era evidente entre adultos em grande parte do mundo em 1990 agora se espelhe em crianças e adolescentes em idade escolar. Ao mesmo tempo, centenas de milhões ainda são afetadas pela desnutrição, particularmente em algumas das partes mais pobres do mundo. Para combater com sucesso ambas as formas de desnutrição, é vital que melhoremos significativamente a disponibilidade e a acessibilidade de alimentos saudáveis e nutritivos”, comenta o autor sênior do estudo, professor Majid Ezzati, do Imperial College London, em comunicado à imprensa.
Para coletar os dados, mais de 1.500 pesquisadores analisaram medidas de peso e altura para mais de 220 milhões de pessoas com cinco anos ou mais, representando mais de 190 países. Foi analisado o IMC (índice de massa corporal) dos participantes para entender como a obesidade e o baixo peso mudaram em todo o mundo de 1990 a 2022.
Os adultos foram classificados como acometidos pela obesidade se tivessem IMC maior ou igual a 30kg/m2 e classificados como baixo peso se tivessem IMC abaixo de 18,5kg/m2. Entre escolares (cinco a nove anos) e adolescentes (10 a 19 anos), o IMC utilizado para definir obesidade e baixo peso dependeu da idade e do sexo, pois há aumento significativo de peso e estatura durante a infância e adolescência.
“Este novo estudo destaca a importância de prevenir e controlar a obesidade desde o início da vida até a idade adulta, por meio de dieta, atividade física e cuidados adequados, conforme necessário”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
“Voltar aos trilhos para cumprir as metas globais para conter a obesidade exigirá o trabalho de governos e comunidades, apoiado por políticas baseadas em evidências da OMS e agências nacionais de saúde pública. É importante ressaltar que requer a cooperação do setor privado, que deve ser responsável pelos impactos de seus produtos na saúde”, completa.
Já para Guha Pradeepa, coautor do estudo da Madras Diabetes Research Foundation, as principais questões globais correm o risco de piorar ambas as formas de desnutrição.
“O impacto de questões como as mudanças climáticas, as interrupções causadas pela pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia correm o risco de piorar as taxas de obesidade e baixo peso, aumentando a pobreza e o custo de alimentos ricos em nutrientes”, afirma, em comunicado.
“Os efeitos colaterais disso são alimentos insuficientes em alguns países e famílias e mudanças para alimentos menos saudáveis em outros. Para criar um mundo mais saudável, precisamos de políticas abrangentes para enfrentar esses desafios”, completa.
Prevenção é o melhor caminho
Para Ricardo Cohen, coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que não esteve envolvido no estudo, mas obteve acesso antecipado aos dados, o aumento das taxas de obesidade no mundo pode estar relacionado à influência de um ambiente cada vez mais obesogênico, reflexo do estilo de vida moderno.
“Chamamos de ambiente obesogênico um ambiente em que há maior oferta de comidas de alto valor calórico, mas com baixo teor nutritivo, maior sedentarismo, maior ingestão de bebidas alcoólicas e uso excessivo de telas como computador e smartphones. Tudo isso colabora para um aumento vertiginoso da obesidade, principalmente em pessoas que já têm tendência genética para a condição”, explica Cohen à CNN.
O mesmo vale para crianças e adolescentes. “Hoje em dia, elas comem em frente às telas, consomem mais comidas nutricionalmente inadequadas, têm menos disposição para atividades físicas e, consequentemente, menos sono”, comenta. “Então, quebra-se o que chamamos de ritmo circadiano do sono, produzindo uma série de alterações hormonais que são obesogênicas”, completa.
Para Ricardo, o fato de os dados mostrarem um aumento no número de pessoas obesas em países como o Oriente Médio e Norte de África também indica que a tendência da obesidade não está concentrada mais em países do ocidente, como anteriormente.
Segundo a análise global, os países com maior prevalência de obesidade em adultos em 2022 foram as nações insulares de Tonga e Samoa Americana para mulheres e Samoa Americana e Nauru para homens na Polinésia e Micronésia, onde mais de 60% da população adulta vivia com obesidade. Em crianças e adolescentes, a maior incidência está concentrada em Niue e Ilhas Cook, onde mais de 30% da população infantil e adolescente vivia com obesidade.
“As maiores incidências dessas doenças no mundo estão saindo dos Estados Unidos e indo para outras regiões, muito por conta da exportação de comidas de baixo valor nutritivo, mas com grande apelo calórico”, acrescenta.
Diante desse cenário, na visão do especialista, a prevenção da obesidade deve ser a principal estratégia adotada a nível global, além de aumentar o acesso a tratamentos, como medicamentos antiobesidade e cirurgia.
“A prevenção é feita comendo melhor, dormindo melhor, ficando longe das telas e tendo menos estresse. Em resumo, é preciso fazer uma higiene da vida. Essa é a mensagem que precisa ser passada e espero que, em 20 anos, esses números sobre a obesidade comecem a cair”, finaliza.
Quais ações já estão sendo promovidas?
Na Assembleia Mundial da Saúde, que aconteceu em 2022, os estados-membros da OMS adotaram o plano de aceleração para acabar com a obesidade, que apoia ações a nível nacional até 2030. As principais intervenções são:
- Apoio às práticas saudáveis a partir do 1º dia, incluindo promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno;
- Regulamentação da comercialização nociva de alimentos e bebidas junto das crianças;
- Políticas de alimentação e nutrição escolar, incluindo iniciativas para regular a venda de produtos ricos em gorduras, açúcares e sal nas proximidades das escolas;
- Políticas fiscais e de preços para promover dietas saudáveis;
- Políticas de rotulagem nutricional;
- Campanhas de educação e sensibilização do público para dietas saudáveis e exercício físico;
- Normas para a atividade física nas escolas;
- Integração dos serviços de prevenção e gestão da obesidade nos cuidados de saúde primários.
“Há desafios significativos na implementação de políticas destinadas a garantir o acesso acessível a dietas saudáveis para todos e criar ambientes que promovam a atividade física e estilos de vida saudáveis em geral para todos”, afirmou Francesco Branca, diretor do Departamento de Nutrição e Segurança Alimentar da OMS e um dos coautores do estudo, em comunicado. “Os países também devem garantir que os sistemas de saúde integrem a prevenção e o gerenciamento da obesidade no pacote básico de serviços.”