No Dia Mundial Sem Tabaco, que ocorre em 31 de maio, uma nova luz é lançada sobre as práticas obscuras da indústria do tabaco. Um estudo recente publicado na revista científica Tobacco Control, conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco, expõe documentos internos que revelam como empresas do setor atuaram ativamente para desacreditar estudos que associavam o tabagismo – ativo ou passivo – ao câncer de mama.
A análise de mais de 19 mil arquivos do extinto Council for Tobacco Research (CTR) e do Tobacco Institute (TI) mostrou que, desde a década de 1980, essas instituições desenvolveram uma estratégia estruturada para neutralizar pesquisas científicas que indicavam aumento no risco de câncer de mama entre mulheres expostas à fumaça do cigarro, mesmo indiretamente.
Para Daniel Gimenes, oncologista da Oncoclínicas, a revelação desses documentos escancara um dos capítulos mais preocupantes da história da saúde pública. “O que esse estudo evidencia é uma ação intencional de manipulação do conhecimento científico. A indústria do tabaco financiava pesquisas paralelas e usava especialistas ligados a seus interesses para desqualificar estudos sérios. Isso atrasou medidas de proteção à população e influenciou diretamente o diagnóstico e a prevenção do câncer de mama”, alerta o especialista.
O câncer de mama é o tipo mais comum entre as mulheres no Brasil e no mundo, com impacto direto na mortalidade feminina. No país, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), são estimados mais de 73 mil novos casos para cada ano do triênio 2023-2025. Embora fatores genéticos, hormonais e ambientais estejam amplamente estudados, o papel do tabagismo ainda é frequentemente subestimado.
“Hoje sabemos que mulheres expostas ao fumo passivo têm um risco aumentado de desenvolver câncer de mama. A exposição ao tabaco, especialmente na juventude, pode interferir em processos hormonais importantes”, destaca Gimenes.
De acordo com o estudo, a indústria financiou pelo menos 48 projetos focados em outras possíveis causas do câncer de mama — como fatores genéticos e alimentares — com o claro objetivo de desviar a atenção do tabagismo. Em paralelo, organizava simpósios, distribuía newsletters tendenciosas e explorava declarações de cientistas renomados fora de contexto para criar uma falsa controvérsia científica.
As estratégias iam além da negação: documentos internos mostram que o Tobacco Institute chegou a alegar que o aumento de casos de câncer de pulmão entre mulheres não fumantes poderia ser resultado de diagnósticos equivocados de metástases de câncer de mama. Essa retórica pseudocientífica foi disseminada entre profissionais de saúde e legisladores como forma de impedir o avanço de leis mais restritivas ao fumo.
Diante dessas revelações, o oncologista reforça a importância de manter uma postura crítica em relação a informações que chegam ao público por vias não científicas. “Como médicos, temos o compromisso de orientar com base em evidências sólidas. E como sociedade, precisamos estar atentos às estratégias de desinformação que ainda hoje tentam relativizar os danos do cigarro – seja ele convencional, aquecido ou eletrônico”, finaliza Daniel Gimenes.