O ministro Ricardo Lewandowski se aposenta oficialmente do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (11), depois de 17 anos de atuação na Corte. Segundo o magistrado, ele deve se dedicar a compromissos acadêmicos e profissionais.
Lewandoswki antecipou sua aposentadoria em um mês, já que teria que deixar a Corte obrigatoriamente em 11 de maio, quando completa 75 anos.
A última sessão do magistrado no plenário do Supremo foi em 30 de março, a mesma data em que ele anunciou a aposentadoria. Na ocasião, disse que seu sucessor deverá ser fiel à Constituição e aos direitos e garantias fundamentais.
“Precisa ser antes de mais nada corajoso. Enfrentar as enormes pressões que um ministro do STF tem que enfrentar no seu cotidiano”, afirmou Lewandowski. “Saio daqui com a convicção de que cumpri minha missão, estou com gabinete praticamente zerado de processos”.
O acervo de Lewandowski é um dos menores do STF, com 780 processos. Só Cármen Lúcia (750), Alexandre de Moraes (705) e Rosa Weber (82) têm menos casos. Por ocupar a presidência da Corte, Weber tem menos ações sob sua responsabilidade.
Aposentadoria e sucessão
O decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que oficializa a aposentadoria do magistrado foi publicado no Diário Oficial da União na quinta-feira (6).
Lula é o responsável por indicar o substituto do Lewandowski. Segundo a Constituição, o escolhido deve ter mais de 35 e menos de 70 anos de idade, “notável saber jurídico e reputação ilibada”. Após a indicação, o nome deve ser sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e ser aprovado pelo plenário da Casa.
Legado
Lewandowski teve um perfil de atuação próximo do chamado garantismo penal em casos de repercussão. A abordagem busca assegurar a réus e investigados as garantias da lei, contra uma visão mais punitivista. São exemplos os julgamentos do mensalão e a operação Lava Jato.
Lewandowski foi o revisor do caso do mensalão, em que teve um papel de contraponto ao relator, ministro Joaquim Barbosa. No julgamento, por exemplo, votou para absolver o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino.
Na Lava Jato, coube a Lewandowski a decisão que concedeu à defesa de Lula o acesso aos documentos da operação Spoofing da Polícia Federal, que mirou hackers que haviam invadido celulares de autoridades, como os então juiz Sergio Moro e procurador Deltan Dallagnol.
Nesse processo, a pedido dos advogados de Lula, Lewandowski declarou imprestáveis as provas obtidas a partir de informações do acordo de leniência da Odebrecht e vetou o seu uso para ações contra o petista originadas da Lava Jato. Essa decisão foi confirmada pela 2ª Turma do STF, em junho de 2022.
Foi com base nessa decisão que a defesa de Lula conseguiu encerrar as últimas pendências jurídicas do petista na Lava Jato.
Em fevereiro deste ano, Lewandowski trancou as ações sobre doações e compra de um terreno para o Instituto Lula e sobre a compra de caças suecos pelo governo Dilma Rousseff (PT).
Além do acordo, as acusações contra Lula também usavam dados extraídos dos sistemas Drousys e MyWebDay, do chamado “Setor de Operações Estruturadas” da Odebrecht. O material teria sido levado para perícia em sacolas de supermercados, “sem qualquer cuidado quanto à sua adequada preservação”, conforme Lewandowski.
O uso de elementos desse acordo como prova para denúncias foi invalidado pelo STF para processos contra Lula. Diversos implicados e réus, incluindo políticos, já conseguiram estender esses efeitos aos seus casos. Alguns exemplos são o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ex-senador Edison Lobão (MDB). Os mais recentes foram o ex-senador Edison Lobão, seu filho e sua nora e o almirante Othon Pinheiro da Silva. Eles tiveram as ações suspensas por Lewandowski em 14 de março.
Há ainda diversos pedidos de extensão pendentes de análise. Em tese, a avaliação final deve ficar com o substituto de Lewandowski, que herdará seu acervo. No entanto, vai depender quem for o escolhido.
Isso porque essa ação poderá ser redistribuída a outro magistrado. Um dos cotados para entrar no STF no lugar de Lewandowski é o advogado Cristiano Zanin, que defendeu Lula nos processos da Lava Jato e foi o autor dessa ação no STF.
Cotas e audiência de custódia
Lewandowski também relatou o processo em que o STF, em 2012, julgou constitucional a adoção das cotas raciais para entrada nas universidades.
O magistrado considerou a posição da Corte no caso como um “passo importante”, já que havia dúvida no Congresso sobre a constitucionalidade das ações afirmativas.
“Embora a decisão do STF se restringisse às cotas, foi uma decisão paradigmática, porque afastou dúvidas sobre a constitucionalidade das ações afirmativas. Depois disso várias outras ações de integração dos negros tiveram terreno mais fértil para surgir”, disse o ministro, durante homenagem em 2015.
Uma das ações que fez questão de lembrar quando anunciou sua aposentadoria, em 30 de março, foi a contribuição para implementar as audiências de custódia no país. O ministro disse ter “grande satisfação” do resultado.
“Isso é uma realidade hoje. Penso que foi um avanço civilizatório, claro que não fiz isso sozinho, fiz com apoio de colaboradores do Conselho Nacional de Justiça”, declarou.
A audiência de custódia consiste na apresentação de qualquer preso 24 horas a um juiz. “Isso é algo que não só contribui para impedir e evitar encarceramentos que não são devidos e podem ser tratados com outras medidas penais, mas também é um instrumento importante par que se possa prevenir e mesmo impedir a tortura daqueles que estão sob a custódia do Estado”.
A medida foi lançada quando Lewandowski ocupava a presidência do STF e do Conselho Nacional de Justiça, em 2015.
Na época em que presidiu a Suprema Corte brasileira, Lewandowski também foi encarregado de conduzir o julgamento de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) no Senado, em 2016.
No STF, Lewandowski foi relator de ações sobre a pandemia de Covid-19, decidindo, por exemplo, que é possível adotar vacinação obrigatória.
Carreira
Lewandowski chegou ao Supremo Tribunal Federal em março de 2006, indicado no segundo mandato de Lula. Ele presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre 2010 e 2012. De 2014 até 2016, foi presidente do STF.
Nascido no Rio de Janeiro, Ricardo Lewandowski é bacharel em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, completando essa graduação em 1971, e em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, se formando em 1973.
É mestre, doutor e livre-docente em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Na mesma instituição, é professor titular de Teoria Geral do Estado.
O ministro advogou de 1974 a 1990. No período, passou pela secretaria de Governo e de Assuntos Jurídicos de São Bernardo do Campo (1984 a 1988) e pela presidência da Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A (Emplasa), de 1988 a 1989.
Entrou na magistratura em 1990 pelo Quinto Constitucional, como juiz no antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, permanecendo na função até 1997, quando foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em 2006, assumiu como ministro do STF.