O deputado Guilherme Derrite (PP-SP) apresentou na noite desta terça-feira (11) um novo texto para o projeto de lei (PL) antifacção, o terceiro desde que a proposta do Executivo chegou ao Congresso. O novo relatório, batizado de “Marco Legal do Combate ao Crime Organizado no Brasil”, foi apresentado após pressões para alterar pontos da versão anterior e pode ser votado na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (12).
A nova redação cria o crime de “Domínio Social Estruturado”, que pune com 20 a 40 anos de prisão membros de organizações criminosas, paramilitares ou milícias privadas que utilizam violência para impor domínio sobre territórios. O texto também institui o banco nacional de organizações criminosas, proíbe o auxílio-reclusão para dependentes de presos por esse crime e prevê mecanismos para o perdimento de bens.
O ‘Domínio Social Estruturado’
O principal ponto do novo texto é a criação do crime de Domínio Social Estruturado. Ele se aplica a membros de organizações criminosas, paramilitares ou milícias privadas que pratiquem condutas como:
. Utilizar violência para impor domínio sobre territórios.
. Usar armas de fogo, explosivos ou agentes biológicos.
. Dificultar a livre circulação de pessoas e serviços.
. Obstruir a atuação das forças de segurança.
. Impor controle social sobre atividades econômicas.
. Praticar crimes contra instituições financeiras e carros-fortes.
. Promover ataques contra instituições prisionais.
. Sabotar meios de transporte e serviços públicos essenciais (energia, hospitais, aeroportos).
Foi criado também um crime autônomo, o de “favorecimento ao domínio social estruturado”, com pena de 12 a 20 anos. Ele consiste na prática de condutas destinadas a apoiar ou auxiliar a organização, como promover, fundar, aderir ou dar abrigo a quem tenha praticado atos previstos na lei.
Ambos os novos crimes são considerados hediondos e insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e livramento condicional.
Endurecimento de penas e presídios
A proposta prevê o aumento de pena de 1/2 a 2/3 se o agente exercer comando ou liderança, financiar as condutas, usar violência contra vulneráveis (crianças, idosos, agentes de segurança) ou recrutar menores.
O texto também aumenta a pena para crimes como homicídio (20 a 40 anos) e latrocínio (20 a 40 anos), quando cometidos por integrantes de organizações criminosas no contexto das condutas previstas no crime de Domínio Social Estruturado.
A progressão de regime para presos condenados por esses crimes também foi alterada, podendo variar de 70% da pena (réu primário em crime hediondo) até 85% (reincidente em crime hediondo com resultado de morte). O cumprimento de pena deverá ser em presídio federal de segurança máxima para quem tiver indícios concretos de exercer liderança ou integrar o núcleo de comando.
Outras medidas incluem a vedação do auxílio-reclusão para dependentes de presos (cautelarmente ou em regime fechado/semiaberto) por esse crime, e a possibilidade de monitoramento audiovisual de encontros em parlatório ou virtuais entre presos e visitantes, mediante autorização judicial.
Confisco de bens e banco de dados
O projeto institui o Banco Nacional de Organizações Criminosas, Paramilitares ou Milícias Privadas e obriga a criação de bancos estaduais interoperáveis. A Lei da Ficha Limpa será alterada para tornar inelegíveis aqueles que forem inseridos nesses bancos de dados.
A redação prevê ainda a extinção dos direitos de posse e propriedade sobre bens que sejam produto ou proveito de atividade ilícita. O juiz, o Ministério Público ou o delegado de polícia poderão atuar para bloquear e sequestrar ativos antes da condenação definitiva. Os bens apreendidos poderão ser imediatamente destinados ao uso de órgãos de segurança pública.
Recuo após críticas à atuação da PF
A apresentação do novo texto ocorre após intensa pressão pública e política contra a primeira versão do relatório de Derrite, divulgada após ele ser nomeado relator na sexta-feira (7) pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Derrite, que é secretário de Segurança de São Paulo e se licenciou do cargo para reassumir o mandato e relatar o projeto, havia proposto inicialmente mudanças que, segundo críticos, esvaziavam as competências da Polícia Federal (PF). O texto condicionava investigações conjuntas da PF sobre facções a um pedido formal do governador.
O deputado e secretário de Segurança de SP, Guilherme Derrite, e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, durante entrevista coletiva para falar do projeto de lei contra o crime organizado – Pedro Ladeira/Folhapress
A proposta inicial gerou forte reação de integrantes do governo Lula (PT), especialistas e da própria PF. O ministro Guilherme Boulos (Secretaria-Geral da Presidência) classificou o parecer como a “PEC da blindagem 2.0” e disse que Derrite estaria “passando pano para alguém”. O diretor de Amazônia e Meio Ambiente da PF, Humberto Freire de Barros, também criticou a proposta, afirmando que ela poderia impactar negativamente o combate a delitos ambientais ligados ao crime organizado.
Aliados do governo avaliaram a manobra inicial de Derrite como um “tiro no pé da direita” e celebraram o que viram como um recuo do relator.
Na tarde desta terça-feira (11), Derrite reverteu os pontos controversos, incluindo o papel da PF. O novo texto propõe que a PF atuará “em caráter cooperativo com a polícia estadual respectiva”. Questionado se as alterações atendiam ao governo, Derrite afirmou que atendiam à população. “Isso não é recuo, isso é estratégia”, disse.
Aliados de Hugo Motta reconheceram o risco na indicação de Derrite, mas afirmaram que o presidente da Câmara se colocou como mediador, inclusive com o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Apesar da nova versão, integrantes do governo mantêm cautela sobre a votação desta quarta-feira (12), pois a oposição ainda deve tentar alterar o texto para equiparar facções criminosas a grupos terroristas. A versão atual de Derrite não classifica as organizações como terroristas, mas considera que atos praticados por elas têm efeitos equivalentes aos de terrorismo por gerarem “caos”.


















