Principal objetivo do Fundo Soberano do Estado é de ‘guardar as receitas do presente’
Uma anedota que corre entre os administradores públicos conta que o estado do Rio de Janeiro quebrou porque tinha muito dinheiro. Maior produtor de petróleo do país, anfitrião da final da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos e principal cartão-postal do Brasil, o Rio não soube administrar o grande volume de recursos à disposição, gastou o que tinha e o que não tinha, foi sugado pela corrupção e faliu.
Como evitar que essa riqueza finita se perca e se torne um problema ao invés de uma solução? O tema volta à tona agora, depois do sucesso da recente licitação de petróleo em outubro, somado à proximidade do megaleilão de áreas da cessão onerosa do pré-sal em novembro — que vai garantir uma bem-vinda renda extra para os estados brasileiros. A Venezuela é caso típico: com as maiores reservas de petróleo do mundo, vive o caos econômico e político há anos.
O Espírito Santo achou um caminho, que pode se tornar um exemplo aos demais estados. Em junho, o governo local sancionou lei que cria o Fundo Soberano do Estado do Espírito Santo, o Funses. Seu objetivo é “guardar as receitas do presente para garantir o futuro das próximas gerações” e evitar que os capixabas fiquem dependentes da exploração do petróleo que ainda existe em abundância em seu litoral.
O fundo deve receber entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões por ano e tem dois focos. Parte será reservada para uma poupança, que o governador Renato Casagrande chama de “intergeracional”. “É um dinheiro que vai ficar investido por muitos anos e que não se deve mexer”, disse o governador à coluna. Ele só será usado no futuro em casos de extrema necessidade e muito bem fundamentada.
De 2019 a 2022, 40% do fundo será depositado nesta poupança; de 2023 a 2026, será 30% e a partir de 2027 ela terá 20%. Os 80% restantes serão destinados ao financiamento de empreendimentos privados que gerem receitas e empregos no estado. “E não queremos que sejam investimentos na área de petróleo e gás”, alertou Casagrande. Outra regra é que os projetos têm de ser rentáveis, pois o Funses precisa dar lucro para o poder público.
O governo entrará como sócio dessas empresas e procurará ser um indutor de novas alternativas para a economia local. Para garantir uma administração profissional dos recursos, um fundo privado será contratado. A gestão do fundo ficará a cargo do Conselho Gestor do Fundo Soberano do Estado do Espírito Santo (Cogef), formado por secretários de governo.
Em julho, foi feita a primeira transferência de recursos. Foram R$ 11 milhões da parcela mensal dos royalties do petróleo da Agência Nacional do Petróleo (ANP) para o estado. Até 2022, estima-se que ele terá em caixa cerca de R$ 2 bilhões.
A ideia é muito boa, mas não é propriamente uma novidade no país. Em 2008, no auge da euforia da descoberta das reservas de petróleo no pré-sal, o governo federal criou o Fundo Soberano do Brasil (FSB). Durou 11 anos, até setembro passado, quando foi extinto pela chamada Medida Provisória da Liberdade Econômica, que desburocratizou partes da economia.
Criado para “promover investimentos internamente e no exterior” e “fomentar projetos estratégicos para o Brasil fora do país”, o FSB se esvaziou com a crise fiscal, tornando-se inoperante. Chegou a ter R$ 27 bilhões em caixa. A proposta foi mal gerida e não deixou saudades.
No mundo, esses fundos são um sucesso há décadas. Governos como da Noruega, China e de países do Oriente Médio e Sudeste da Ásia têm o seu. Estima-se que o total administrado por fundos soberanos chegará a US$ 15 trilhões em 2020.
Esses fundos só têm vida longa em economias arrumadas, que possibilitam fazer essa poupança. É o caso do Espírito Santo, raro exemplo de economia estadual saudável. Por isso, é preciso ficar atento. No futuro, a gestão desse fundo por políticos pode representar um risco para essa boa ideia. A experiência capixaba merece ser acompanhada de perto.
Por Gustavo Paul (O Globo em Brasília)