Professores apontam opiniões diferentes sobre Escola sem Partido
O futuro ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro, o filósofo colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, anunciado na semana passada, já defendeu o projeto Escola sem Partido e critica a abordagem de gênero nas escolas.
Em um blog mantido pelo futuro ministro, ele cita em um texto divulgado em 5 de setembro de 2017 que pretende combater suposta doutrinação política dentro das salas de aula. Segundo ele, o mundo de hoje está submetido à tentação totalitária, decorrente de o Estado ocupar todos os espaços, o que tornaria praticamente impossível o exercício da liberdade por parte dos indivíduos.
O projeto Escola Sem Partido, que inspira o anteprojeto de lei contra a doutrinação ideológica nas escolas brasileira divide a opinião de profissionais da educação. Renata Batista, professora de inglês atuando há 15 anos acredita que o professor deve se deter ao ensinamento e promover debates sem pregar nenhuma bandeira.
“A partir do momento que o professor defende uma ideologia ou uma ideia partidária, seja ela qual for, ele acaba constrangendo o aluno e não deixando esse aluno escolher as próprias ideias e convicções. É um grupo que está ali obrigado a te ouvir e de repente você vai falar das suas convicções, então você vai influenciar. Determinados assuntos quem tem que influenciar não é a escola. A escola tem a obrigação de mostrar para aquele jovem tudo que existe, em termos de ideologias, mas não influenciar com as suas próprias convicções”, defende Renata.
Já para Dora Carvalho, professora de língua portuguesa há 28 anos esse projeto causa restrição ao aluno. Segunda ela, o estudante perde a liberdade de sanar uma dúvida dentro da escola e pode acabar procurando a resposta em outros meios e cair em fake news.
Dora também acredita que o que é proposto pelo projeto é contraditório com a realidade, quando o modo de agir das pessoas é feito naturalmente pelas suas convicções e cultura.
“Automaticamente o professor é formado pelos seus preceitos religiosos, intelectuais. Então, ele não vai trabalhar o que não faz parte dentro da sua formação. A postura dele já é inerente ao que ele acredita, defende. Então automaticamente, mesmo que ele não fale nada a sua postura já vai determinar”.
Caso
O Escola Sem Partido ganhou repercussão na mídia muito por conta do caso da recém eleita deputada estadual pelo PSL, Ana Caroline Campagnolo.
Ana Carolina que é professora de história e ex-aluna de mestrado da Universidade do Estado de Santa Catarina, em Florianópolis, entrou na justiça em 2016 contra a orientadora do curso de mestrado por entender ter sido discriminada por conta de convicções políticas, morais e religiosas.
Ana Caroline diz que em 2013, foi selecionada no programa de mestrado da Universidade do Estado de Santa Catarina, a Udesc, em Florianópolis. A futura deputada, que se declara conservadora e cristã, tinha como tema o projeto “Virgindade e Família: Mudança de Costumes e o Papel da Mulher Percebido Através da Análise de Discursos em Inquéritos Policiais de Chapecó”. A orientadora selecionada pela banca para o trabalho foi Marlene de Fáveri, que ministra a cátedra “História e Relações de Gênero”.
Os problemas entre orientanda e orientadora, segundo Ana Caroline, começaram já na primeira semana de aula. A mestranda afirma que colegas de faculdade passaram a monitorar seu perfil pessoal no Facebook, comunicando a Marlene as posições conservadoras adotas por Ana Caronile na rede. Pouco tempo depois, Ana afirma ter sido procura por e-mail, por Marlene.
“A professora me mandou um email dizendo: ‘Ana bom dia, estou recebendo muitos emails com esses links – daí os links do meu perfil pessoal do Facebook – onde você se mostra antifeminista e eu estou sendo cobrada por seres minha orientanda’. Basicamente, o que ela quis dizer nesses e-mails é que ela queria da minha parte um comprometimento ideológico com a conclusão da pesquisa, com a hipótese científica, antes da pesquisa científica ser concluída”, relata Ana Caroline.
A discussão foi parar em sala de aula e Ana diz ter sofrido “estresse emocional e sofrimento psíquico, situação de humilhação e sensação de cerceamento”, de acordo com os autos do processo. Marlene, por outro lado, afirma não ter constrangido, em nenhum momento, a orientanda. A professora afirma que a preocupação sempre foi com a integridade do campo de estudos em gênero e feminismo.
“Ela pode se posicionar da forma que quiser, com as ideias que quiser, sem nenhum problema. Mas é que havia muitos equívocos e isso colocava em cheque toda a minha disciplina, meu plano de ensino, minha biografia e isso me constrangia também. Então, minha preocupação foi essa. Não existe nada de constrangedor”, se defende a historiadora e professora Marlene.
O projeto Escola sem Partido está sendo analisado por uma comissão especial. Em caráter conclusivo, a medida será analisada pelas comissões de Educação; e de Constituição, Justiça e de Cidadania.