Eram 18 horas e 10 minutos daquela quinta-feira, 29 de dezembro de 2022, quando o servidor da Receita Federal, Marco Antônio Lopes Santanna, recebeu uma visita “em caráter de urgência” na Base Aérea de Guarulhos, em São Paulo. Um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) tinha acabado de chegar ao terminal do aeroporto, para “atender demandas do senhor presidente da República”, conforme foi registrado em documento da FAB. Ali, Santanna recebeu o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva.
Jairo tinha uma missão clara e determinada pelo então presidente Jair Bolsonaro. Faltavam apenas dois dias para que o chefe do Executivo deixasse o mais alto posto de comando do País. Como ainda era o presidente, Bolsonaro tratou de agir. Era preciso, de qualquer maneira, retirar as joias de diamantes avaliadas em R$ 16,5 milhões que tinham sido presenteadas pelo regime da Arábia Saudita ao presidente e sua primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
O militar Jairo Moreira da Silva foi direto. Ao encontrar o servidor da Receita no aeroporto, mostrou a tela de seu celular, onde exibia a imagem de um documento direcionado “ao Sr. Julio Cesar”. Tratava-se de Julio Cesar Vieira Gomes, o secretário que comandava a Receita Federal na gestão Bolsonaro. Ao exibir a tela do celular, Jairo dizia que estava ali para retirar “um material” retido na alfândega e que a própria chefia da Receita já deveria ter entrado em contato com a alfândega de Guarulhos. O documento apresentado fazia referência a um “Termo de Retenção de Bens” relacionado a joias.
Acontece que o servidor Marco Antônio Lopes Santanna não engoliu aquela história. De pronto, esclareceu que não tinha nenhuma informação sobre o assunto e disse a Jairo que não iria entregar nada.
Preocupado, o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva deu início, então, a uma conversa pelo celular com alguém a quem se referia apenas como “coronel”. Na frente de Santanna, sugeria ao auditor-fiscal da Receita que ele conversasse com o seu “coronel”. Santanna, porém, resistiu novamente, e informou que não havia possibilidade de fazer aquele tipo de atendimento pelo telefone.
Jairo voltou a insistir. Disse ao fiscal que iria identificar o nome do responsável da Receita que trataria da liberação no aeroporto. Santanna explicou que o ofício do governo federal exibido no celular não estava direcionado a ele, mas ao chefe da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes. O servidor voltou a dizer que não tinha nenhum conhecimento daquela operação e que, por se tratar da tentativa de retirada e incorporação de um bem, o processo teria de ser apresentado, formalmente, por meio de um “Ato de Destinação de Mercadoria”.
O emissário de Bolsonaro, porém, não estava disposto a sair do aeroporto sem as joias e tinha ordens para deixar o local apenas com o estojo nas mãos. Jairo exibiu, desta vez, um “Termo de Retenção” emitido pela Receita, na tela de seu celular, mas Santanna segurou a pressão e disse, categoricamente, que não teria como ajudar.
O militar, então, se exasperou. Disse que chegou àquela hora de Brasília e foi diretamente para a alfândega, porque cumpria uma missão “em caráter de urgência”. O auditor-fiscal pediu, então, que o documento fosse enviado para o e-mail corporativo da alfândega, mas Jairo disse que preferia aguardar orientações, porque o seu “coronel” iria falar com mais alguém.
Foi neste momento que o primeiro-sargento da Marinha comentou a troca de comando na Presidência da República, o que viria a ocorrer em apenas dois dias. Em sua tentativa de convencimento, Jairo disse ao agente da Receita que aquilo tudo fazia parte da troca de governo e que “não pode ter nada do antigo pro próximo, tem que tirar tudo e levar”.