Lideranças do Centrão, com a participação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estão costurando um acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar o avanço de uma anistia ampla aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro e, em contrapartida, aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade de parlamentares.
Segundo informações de Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, as conversas, que avançaram durante o fim de semana e seguiram nesta segunda-feira (15), preveem uma votação para derrotar o regime de urgência do projeto que poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, ao mesmo tempo em que se permite a tramitação de uma nova versão da chamada “PEC da Blindagem”. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), atua como o principal interlocutor do parlamento junto ao governo e a magistrados.
A articulação central da proposta é unir os líderes do Centrão que se opõem a uma anistia irrestrita, que inclua Bolsonaro, à base do governo federal. Juntos, os dois grupos teriam votos suficientes para derrotar o pedido de urgência para a votação do projeto de anistia, de autoria do líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Sem a urgência, o projeto ficaria sem prazo definido para ser pautado, o que, na prática, adiaria a discussão por tempo indeterminado.
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A manobra evitaria o que líderes do Centrão consideram um desgaste institucional: a aprovação de um perdão a Bolsonaro apenas uma semana após sua condenação a 27 anos e três meses de prisão pelo STF. Integrantes do bloco parlamentar ponderam que o processo judicial sequer foi finalizado, uma vez que os réus ainda podem apresentar embargos à decisão, e que a aprovação da anistia neste momento seria uma afronta direta ao Supremo.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, conversou com ministros do STF, como Alexandre de Moraes, no fim de semana, e esteve com o presidente Lula na tarde desta segunda-feira para tratar do acordo.
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A moeda de troca
Como parte do acordo, duas outras propostas poderiam avançar no Congresso. A primeira é um projeto para diminuir as penas dos condenados pelos ataques de 8 de janeiro, contemplando apenas os executores dos atos, apelidados de “peixes pequenos” da tentativa de golpe, e mantendo as punições para os mentores e financiadores. Caso a nova lei seja aprovada, caberia ao STF reavaliar os regimes de prisão de cada um dos detidos.
A segunda e principal contrapartida é o avanço da “PEC da Blindagem”. O texto em negociação seria mais enxuto que a versão inicialmente proposta e não conteria pontos como a suspensão de decisões da Corte. A mudança central seria devolver ao Congresso Nacional a prerrogativa de autorizar a abertura de processos criminais contra deputados e senadores pelo STF.
Essa regra, prevista na Constituição de 1988, foi alterada por uma emenda constitucional em 2001, pois na prática gerava impunidade, já que o parlamento raramente concedia a autorização. Desde então, há 24 anos, o STF pode abrir ações penais sem a necessidade de aval prévio do Legislativo. Parlamentares reclamam que a norma vigente permite que a Corte pressione congressistas em votações de seu interesse.
Pela nova proposta, a autorização prévia voltaria a ser necessária, mas com um prazo estabelecido, entre 45 e 60 dias, para que o Congresso delibere sobre o pedido. Segundo interlocutores do governo, o presidente Lula afirmou a Hugo Motta que considera a PEC um assunto interno do parlamento, uma vez que, por se tratar de uma emenda constitucional, ele não teria poder de veto ou sanção.
Histórico da negociação
A articulação atual ocorre após tentativas anteriores de aprovar medidas semelhantes terem fracassado. Em 28 de agosto, uma versão mais radical da “PEC da Blindagem” dividiu o Centrão e foi retirada de pauta. Aquele texto previa, entre outros pontos, a exigência de um quórum maior para o recebimento de denúncias no STF e a possibilidade de o Congresso revisar prisões de parlamentares a cada 90 dias. A proposta foi considerada exagerada e afugentou o apoio de partidos como MDB e PSD.
Na ocasião, o PL, partido de Bolsonaro, recuou de seu protagonismo na defesa da PEC e passou a focar seus esforços na anistia. “Nosso único pedido para pauta será a anistia”, declarou o líder Sóstenes Cavalcante na época.
A ideia de uma alternativa à anistia ampla, focada na redução de penas para os executores dos atos de 8 de janeiro, também não é nova. Em 3 de setembro, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), já havia declarado ser contrário ao perdão a Bolsonaro e que apresentaria um projeto alternativo. O texto defendido por Alcolumbre previa justamente a diminuição das penas, sem perdoar os condenados, por meio de alterações na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, o que se alinha com uma das frentes do acordo atual.