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O que há por trás da cultura do cancelamento

11 jun 2021 - 08:30

Redação Em Dia ES

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André Dória, psicólogo e psicanalista da Holiste Psiquiatria, explica que o aumento do discurso de ódio nas redes está ligado a uma forma de satisfação perversa que transforma admiração em ódio
Muitas celebridades vêm se afastando das redes sociais por causa de ataques e ameaças virtuais. No Brasil, a cantora Luiza Sonza foi a última vítima dos conhecidos “haters” de internet – contas que disseminam o ódio contra famosos e anônimos. A artista anunciou que adiou o lançamento do novo álbum e se dedicará a cuidar da saúde mental. Assim como ela, o “detox” das redes sociais está cada vez mais comum, mas, afinal: por que os ataques nas redes sociais aumentaram tanto?

André Dória, Coordenador do Núcleo de Transtorno Bipolar da Holiste Psiquiatria, conta que a psicanálise ajuda a explicar esse fenômeno: “A psicanálise já nos ensinou que, muitas vezes, precisamos eleger um mestre imaginário para justamente poder destruir a relação com ele. Há uma forma de satisfação perversa nesse movimento: quando aquele, ou aquela, que elejo como referência não satisfaz às minhas projeções, eu elimino. Cancelo. Como as redes sociais são uma profusão de ídolos para todos os ideais, trazem também a profusão do efeito reverso: o ódio pelo ideal frustrado”, explica.

Não me representa!
De acordo com o psicólogo, o pesadelo do cancelamento é, muitas vezes, antecedido por um sonho de um mundo perfeito em torno de uma figura pública. O problema é que, apesar de intensa, essa relação de identificação é bastante frágil. Nas redes, há representantes de temas para todos os gostos: meio ambiente, casamento perfeito, família perfeita, neonazismo, puritanismo, sucesso profissional e muito mais.

“Ao decidir seguir uma celebridade que defende uma determinada causa, por exemplo, a relação de quem a segue é uma relação de representação: aquela celebridade me representa. Uma ação, uma palavra, um gesto, fora do que os seguidores esperam, e que foge ao traço que os identificam com celebridade, transforma o sentimento de admiração em ódio. É aí que reside a fragilidade dessas identificações: elas só se sustentam quando o outro reflete o que eu penso, o meu ponto de vista”, detalha.

Deste modo, este ódio disseminado nas redes pode ser considerado um sentimento narcísico – ou seja, egoísta. “Como diz Caetano Veloso: Narciso acha feio o que não é espelho”, comenta o especialista.

Como lidar com o ódio nas redes sociais?
O uso da expressão detox indica que há uma intoxicação. Afinal, por que cada vez mais pessoas decidem se afastar temporariamente das redes sociais? Segundo André Dória, existem inúmeras respostas possíveis, mas, inicialmente, “estamos intoxicados pela velocidade dos tempos atuais”.

“As redes sociais são a tradução dessa aceleração, pulverizando as três etapas que guiavam nossa tomada de decisões: o tempo de ver, compreender e concluir. Hoje, já saltamos diretamente para a conclusão. O exemplo das fake news ilustra isso. Ao receber uma informação em sua rede social, ou num aplicativo de mensagens, muitas pessoas de imediato já passam adiante, sem verificar nem refletir criticamente sobre a informação recebida. Nesse sentido, a intoxicação é generalizada, não afeta somente artistas, cantores ou atletas”, aponta.

O profissional diz que não há uma fórmula mágica para lidar com os ataques virtuais, a não ser contar com bons advogados, bons psicólogos e a consciência sobre a volatilidade das identificações que sustentam a comunidade virtual em torno de causas ou figuras públicas. Outra dica para um uso saudável da internet é avaliar se o uso não se tornou um vício. “Talvez haja uma pista que sirva para nos orientar: quando perdemos a capacidade de escolha, nos vemos reféns do uso compulsivo”, alerta.
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Atualizado: 11/06/2021 08:30

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