Políticos, empresários e blogueiros foram alvos de operação da PF. Investigação iniciada em março de 2019 terminaria em janeiro de 2020, mas foi prorrogada por mais seis meses
Em março de 2019, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, abriu inquérito criminal para investigar “notícias fraudulentas”, ofensas e ameaças que “atingem a honorabilidade e a segurança” da Corte, de seus membros e de familiares. O ministro Alexandre de Moraes foi nomeado relator do caso.
Em meio a questionamentos sobre a abertura do inquérito, com críticas que partiram inclusive da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e de membros do próprio STF, as investigações já duram mais de um ano.
Nesta quarta-feira (27), a Polícia Federal (PF) cumpriu 29 mandados de busca e apreensão como parte do inquérito. Entre os alvos, aliados do presidente Jair Bolsonaro, como o ex-deputado federal Roberto Jefferson; o empresário Luciano Hang, dono da Havan; e os blogueiros Allan dos Santos e Winston Lima.
Horas após a operação ter sido deflagrada, o atual PGR, Augusto Aras, pediu ao STF a suspensão do inquérito das fake news. Em outubro do ano passado, no entanto, ele havia afirmado que não havia ilegalidade na investigação.
Veja, abaixo, perguntas e respostas sobre a investigação:
Quando o inquérito foi aberto e qual era o objetivo?
O inquérito foi aberto em 14 de março de 2019. Inicialmente, o prazo das investigações ia até janeiro de 2020. Em dezembro de 2019, contudo, o ministro do STF Alexandre de Moraes prorrogou as investigações por mais seis meses.
Ao instaurar a investigação, o presidente do STF, Dias Toffoli, falou em apurar “notícias fraudulentas”, ofensas e ameaças que “atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”.
Não foi delimitado, no entanto, um objeto específico ou grupo a ser investigado, apenas as possíveis infrações.
Por que, em vez de sortear, Toffoli nomeou o relator do caso?
O STF diz que o regimento da Corte permite a abertura de investigações para apurar crimes cometidos dentro da instituição e considera que, nesse caso, é permitida a designação de juiz para conduzir a apuração, sem que haja sorteio. Os ministros são considerados pelo STF à própria instituição, em qualquer lugar em que estejam.
Por que a abertura do inquérito foi questionada?
A abertura de inquérito “de ofício” – sem ser provocado por instituições como a PF ou o Ministério Público – e a designação de um relator sem que houvesse sorteio geraram críticas no MPF e no meio jurídico. Dez ações foram apresentadas ao STF questionando a investigação.
Outro ponto questionado é o fato de que os suspeitos não têm foro no STF, mas, sim, as vítimas – neste caso, os próprios ministros da Corte.
O Supremo, por sua vez, sustenta o inquérito com o argumento de que o regimento da Corte permite a abertura de investigações para apurar crimes cometidos dentro da instituição.
Um dos magistrados mais antigos do STF, o ministro Marco Aurélio Mello foi uma das vozes críticas à decisão de Toffoli. Marco Aurélio disse que o Supremo deveria “manter uma necessária distância de investigações que envolvam apuração de suposto crime contra a própria Corte”.
O que a investigação já concluiu?
Em março de 2020, técnicos do STF identificaram 12 perfis em redes sociais – nomes não foram divulgados – que atuam na disseminação de informações de forma padronizada contra ministros do tribunal.
Isso significa, por exemplo, que esses perfis encaminham o mesmo tipo de mensagem, da mesma forma, na mesma periodicidade. Agora, os técnicos cruzam informações para tentar localizar financiadores desses perfis.
Na época que, dentre os suspeitos de financiar as ofensas, há apoiadores do presidente, além de outros empresários.
Que mandados já haviam sido cumpridos antes?
No dia 21 de março de 2019, uma semana após a abertura das investigações, foram cumpridos os primeiros mandados de busca e apreensão – em São Paulo e Alagoas.
No dia 16 de abril de 2019, a PF cumpriu oito mandados de busca e apreensão – em São Paulo, Goiás e Distrito Federal. No despacho que determinou a ações, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que foi verificada “a postagem reiterada em redes sociais de mensagens contendo graves ofensas a esta Corte e seus integrantes, com conteúdos de ódio e de subversão da ordem”.
Em 27 de setembro de 2019, a PF cumpriu mandados na casa e no escritório de advocacia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. No apartamento dele, a PF apreendeu arma e munição.
Os mandados de busca e apreensão foram emitidos um dia após Janot afirmar em entrevista que, em 2017, quando ainda estava no cargo de PGR, entrou armado no STF com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes e depois se suicidar.
Quem foi alvo de mandados em 27 de maio?
Luciano Hang (SC): empresário, dono da Havan, apoiou Bolsonaro durante a eleição de 2018 e segue aliado do presidente
Roberto Jefferson (RJ): ex-deputado federal preso no Mensalão. Seu partido, o PTB, declarou apoio a Bolsonaro em 2018. Nas redes, tem defendido o presidente e criticado o STF, pedindo que Bolsonaro aposente compulsoriamente os ministros
Allan dos Santos (DF): blogueiro, é apoiador de Bolsonaro e um dos fundadores do site Terça Livre
Sara Winter (DF): blogueira. Em uma rede social, se define como “ativista pró-vida e pró-família, analista política e conferencista internacional”
Winston Lima (DF): blogueiro, dono do canal no YouTube “Cafezinho com Pimenta”, onde transmite diariamente as falas de Bolsonaro na saída do Palácio do Alvorada. Promove manifestações de apoio ao presidente
Edgard Corona (SP): empresário, dono das redes de academia SmartFit e BioRitmo
Edson Pires Salomão (SP): assessor parlamentar do deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP)
Enzo Leonardo Suzi (SP): youtuber no canal no YouTube “Enzuh” e apoiador do governo Bolsonaro
Marcos Bellizia (SP): um dos líderes do movimento Nas Ruas, que foi fundado em 2011 por Carla Zambelli, hoje deputada federal. O grupo organizava manifestações populares, em geral contra a corrupção
Otavio Fakhoury (SP): investidor do setor imobiliário, um dos fundadores do partido Aliança para o Brasil, que está sendo formado em torno de Bolsonaro, e colaborador do site conservador Crítica Nacional
Rafael Moreno (SP): blogueiro, ativista do Movimento Brasil Monarquista e membro da Confederação Monárquica do Brasil
Rodrigo Barbosa Ribeiro (SP): assessor parlamentar do deputado Douglas Garcia (PSL) e líder do Movimento Conservador em Araraquara (SP)
Paulo Gonçalves Bezerra (RJ): empresário
Reynaldo Bianchi Júnior (RJ): humorista, músico e palestrante
Bernardo Kuster (PR): em uma rede social, se define como diretor de opinião do jornal “Brasil Sem Medo”. O veículo tem como presidente de seu conselho editorial Olavo de Carvalho, ideólogo do qual Bolsonaro se declarou, em 2019, um admirador
Eduardo Fabris Portella (PR)
Marcelo Stachin (MT): nas redes sociais, é defensor de Bolsonaro e com frequência se manifesta contrário ao STF
Quem são os deputados que serão ouvidos?
O ministro Moraes determinou ainda que deputados deverão ser ouvidos no inquérito em até dez dias. Eles não foram alvos de mandados em 27 de maio (veja aqui o que eles disseram sobre a determinação). Moraes ordenou que sejam preservadas as postagens dos parlamentares em redes sociais. São eles:
Deputados federais
– Bia Kicis (PSL-DF)
– Carla Zambelli (PSL-SP)
– Daniel Silveira (PSL-RJ)
– Filipe Barros (PSL-PR)
– Junio Amaral (PSL-MG)
– Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (PSL-SP)
Deputados estaduais
– Douglas Garcia (PSL-SP)
– Gil Diniz (PSL-SP)
Em 24 de abril, dois dias depois de Bolsonaro trocar o diretor-geral da PF, Alexandre de Moraes determinou que os delegados responsáveis pelo inquérito fossem mantidos – mesmo com as mudanças na chefia da corporação.
Na prática, a decisão de Moraes tinha o objetivo de blindar as investigações contra interferências.
O que Augusto Aras disse sobre o inquérito?
Aras pediu ao ministro Edson Fachin, do STF, a suspensão do inquérito da fake news. O pedido do atual procurador-geral foi feito em 27 de maio, horas após a operação da PF ter sido deflagrada.
No dia 24 outubro, entretanto, Aras havia afirmado, em parecer enviado ao STF, que não havia ilegalidade no inquérito aberto pela Corte, mas ressaltando que o Ministério Público Federal deveria participar das investigações.