Assim como ainda são incertos os números da transferência que pode ser a mais cara da história do futebol, questionáveis podem ser as qualidades que levaram o Real Madrid a contratar o galês Gareth Bale por € 91 milhões (R$ 286,6 milhões) ou € 100 milhões (R$ 314 milhões), dependendo da fonte de informação do valor, espanhola ou inglesa. Fato é que o jogador revelado na lateral esquerda do Southampton e que rendeu as maiores cifras do mercado de verão europeu para o Tottenham mostrou versatilidade e qualidade suficientes para convencer o time espanhol de que vale a pena o investimento em seu potencial, futebolístico e midiático.
Na infância, Bale era tímido e tinha como ídolo o compatriota Giggs, do Manchester United. Pouco mais de duas décadas depois, transformou-se numa espécie de seguidor de Cristiano Ronaldo. O corte de cabelo, as pernas ligeiramente abertas na hora de cobrar faltas, as poses para as capas de revistas e o apelo mercadológico, muitas de suas características lembram o craque português, com quem fará dupla no Real. Mas o sucesso nos Spurs, onde passou da lateral para o meio, de promessa a melhor jogador do futebol inglês, dá crédito ao jogador para provar ao mundo que é digno de cada centavo investido pelo presidente merengue Florentino Pérez. Um dos que confirmam o valor do galês é o brasileiro Sandro, companheiro de vestiário nas últimas três temporadas.
– Acho que vale até mais. Ele joga muito mesmo. Pode ser o cara lá no Real Madrid. O que ele fez aqui eu nunca vi um jogador fazer em toda a minha vida. Ele já fez coisas inacreditáveis no Tottenham. Não é falar que ganhou sozinho, mas ele levou vários jogos aqui com gols decisivos, passes decisivos… nossa! Se continuar nesse nível, vai ser o melhor do mundo com facilidade – disse o volante em entrevista por telefone.
Harry Redknapp, que o treinou no clube londrino por quatro temporadas, enumera as razões para que o jogador mereça estar tão valorizado no mercado:
– Ele é completo e pode fazer todo o trabalho. É capaz de driblar, chutar com as duas pernas, cabecear e correr o dia inteiro. Não há nada que ele não possa fazer, é um jogador incrível. Está no encalço de Messi e Ronaldo para ser o melhor jogador do mundo.
Só ‘love’
Bale sempre foi considerado um jogador diferente dentro e fora do campo. Avesso ao estereótipo de boleiro, raramente é notícia nas colunas sociais e nas principais páginas dos tablóides sensacionalistas britânicos. Não gosta de festas nem de badalações e mantém um longo relacionamento com a namorada da adolescência, com quem tem uma filha. Sempre que encontra tempo livre, ignora destinos luxuosos e volta para a casa da mãe em Cardiff, sua terra natal.
Do amor pela namorada, surgiu uma de suas marcas registradas: a comemoração com os dedos formando um coração. Há alguns anos, depois de ficar um bom tempo longe dos gramados, o galês decidiu que homenagearia a amada quando voltasse a marcar.
– Ele é bem tranquilo, supercaseiro, família. Muito simples, mas bem animado também. Sou bastante colado com ele desde o início. Temos a mesma idade, e ele me deu uma abertura muito grande quando cheguei. E isso só foi melhorando. Merece tudo o que está acontecendo com ele. Nunca mudou pelo que está passando, é o mesmo cara humilde de sempre – elogiou Sandro.
A evolução de um popstar
O perfil “low profile”, contudo, não impediu que o sucesso tivesse sua parcela de influência na vida do jogador. Em 2012, o meia conseguiu superar o único detalhe que parecia incomodá-lo. Procurou um cirurgião plástico e operou as orelhas avantajadas, que se destacavam em seu visual. Bale, por sinal, fazia de tudo para escondê-las, adotando cortes de cabelo pouco convencionais na tentativa de diminuir a impressão causada pelo traço físico. Com o “problema” resolvido, o jogador se transformou. Redknapp costumava brincar afirmando que, se ele destinasse metade do tempo que passa pensando no cabelo ao futebol, seria um jogador ainda melhor.
Para a temporada 2012/2013, o galês se apresentou ao Tottenham com um corte de cabelo moderno e um físico mais exuberante. As mudanças também ficaram claras na personalidade. Entre os companheiros ficou a impressão de que o jovem fechado deu lugar a um homem confiante. Logo, passou a ser chamado para estampar capas de revistas e a protagonizar comerciais. As roupas, o visual e a atitude em campo trouxeram as comparações a Cristiano Ronaldo. Bale deixou de ser só um grande jogador para virar uma marca lucrativa.
Na escola, regras para domar a fera
O talento do jovem Bale já era evidente nos tempos de escola, o que obrigou o professor de educação física Gwyn Morris a criar algumas regras para deixar os jogos mais equilibrados. Canhoto, o destaque do colégio só podia dar um toque na bola, com o pé direito. Tudo para que outras crianças também pudessem participar das brincadeiras.
Aos nove anos, o estudante chamou a atenção do Southampton, clube pelo qual disputou seu primeiro jogo profissional aos 16 anos. Só não foi o mais jovem a estrear profissionalmente na história do clube porque Walcott, atualmente no Arsenal, estreou 132 dias mais novo. O primeiro gol foi feito em cobrança de falta, o que se tornaria sua primeira marca registrada. Dos cinco marcados na passagem pela equipe, quatro foram de bola parada.
Uma pechincha de começo pouco animador no Tottenham
A primeira transferência do jogador foi bem menos badalada do que para o Real. Em 2007, o lateral-esquerdo de 18 anos foi vendido para o Tottenham. O acordo inicial deveria render 10 milhões de libras (R$ 36,7 milhões), mas como o Southampton estava desesperado para conseguir dinheiro, os Spurs acabaram pagando 7 milhões de libras (R$ 25,7 mi). No primeiro ano, uma lesão no tornozelo direito o afastou da maior parte da temporada.
Até sua afirmação na campanha 2009/2010, o galês só conseguiu vencer com o time londrino no Campeonato Inglês após incríveis 24 partidas. As boas atuações lhe renderam sucessivas renovações de contrato para afastar clubes endinheirados. Tinha inícío uma ascensão meteórica.
O baile sobre Maicon: de bom jogador a craque
Bale ganhou a vaga na lateral esquerda por causa da lesão do então titular Assou-Ekotto. Com o retorno do camaronês, o técnico Harry Redknapp teve que arrumar lugar para os dois no time, e o jovem destaque passou a jogar um pouco mais avançado. O jogador mais caro do futebol mundial começou a ser considerado acima da média a partir do dia 20 de outubro de 2010. Diante do Inter de Milão, campeão europeu na temporada anterior, fez três gols na derrota por 4 a 3. Na partida de volta da fase de grupos, humilhou o brasileiro Maicon e foi a estrela da vitória por 3 a 1 em uma das atuações mais memoráveis da história recente da Champions.
A partir de então, a vida do meia mudou definitivamente. Trocou a camisa 3 pela 11 e virou referência para o Tottenham. Foi eleito o melhor do ano pela Associação de Jogadores Profissionais (PFA, em inglês) em 2011 e 2013, ano em que também levou o prêmio de destaque entre os jogadores mais jovens. Na temporada passada, quase levou a equipe a uma nova classificação para a Liga dos Campeões. A constante atenção de grandes clubes europeus indicava o inevitável, a saída do último grande ídolo dos Spurs. Por cerca de € 100 milhões, o Real pagou para ver as cenas dos próximos capítulos.
Fonte: Globoesporte.com