Bolsonaro usa o assunto para intensificar sua ofensiva contra o imunizante Coronavac promovido por João Doria, governador de São Paulo e possível adversário político do presidente em 2022
O presidente Jair Bolsonaro intensificou sua ofensiva irresponsável para politizar a vacina contra o coronavírus, colocando a Coronavac, de fabricação chinesa, na mira mais uma vez. O mandatário celebrou nesta terça-feira como uma vitória pessoal a suspensão, na véspera, pela Anvisa, de um dos vários ensaios clínicos em andamento no Brasil.
A suspensão ocorreu depois da morte de um voluntário em circunstâncias que, segundo os responsáveis pelos testes, não tem nenhuma relação com a imunização. A vacina em questão é a Coronavac, produzida pela empresa chinesa Sinovac em colaboração com o Instituto Butantan, ligado ao Governo de São Paulo, chefiado por João Doria, o grande adversário político de Bolsonaro.
O Brasil é um dos laboratórios onde as diferentes vacinas são testadas há meses, graças a milhares de voluntários e ao fato de ser um dos países mais afetados do mundo, com mais de 160.000 mortes e 5,5 milhões de infecções pelo coronavírus. Tudo isso com um presidente que não hesita em tentar tirar proveito político da doença, mesmo que seja promovendo o caos na administração e semeando dúvidas sobre uma vacina diferente daquela que seu Governo comprou.
Na manhã desta terça-feira, Bolsonaro voltou a colocar a imunização no centro da polêmica quando um internauta lhe perguntou se iria comprar a vacina chinesa. Uma pergunta sem muito sentido, já que o presidente obrigou o Ministério da Saúde a desfazer, semanas atrás, um acordo para incluir a Coronavac no calendário nacional de vacinação. Mas para o presidente era a ocasião de marcar um gol e comemorá-lo: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, escreveu o mandatário no Facebook, sem apresentar nenhuma prova de suas afirmações. Palavras que minam a tradicional confiança dos brasileiros na vacinação, mas colocam o assunto no centro do debate político em um país que realizará eleições municipais neste domingo.
Um dos voluntários dos testes da AstraZeneca (a vacina comprada pelo Governo federal) no Brasil morreu semanas atrás, e os testes continuaram. Agora, a Anvisa ordenou a suspensão dos ensaios clínicos da Sinovac. A paralisação foi ordenada às 20h40 de segunda-feira, depois de um dia dominado por notícias sobre as boas perspectivas da vacina da Pfizer e sobre o anúncio do governador Doria de que as primeiras doses da Coronavac chegarão a São Paulo no dia 20.
O Instituto Butantan, que conduz os testes e produz dois terços das vacinas do Brasil, acusou nesta terça-feira as autoridades da vigilância sanitária de “causar insegurança, medo” e “fomentar o descrédito gratuito”, nas palavras do cientista Dimas Covas, diretor dessa instituição pública fundada em 1901. Covas deu uma entrevista coletiva para insistir que o que ocorreu com o voluntário “não tem nenhuma relação com a vacina”. O cientista disse que não podia dar mais detalhes para não violar a privacidade da família do afetado.
Bolsonaro fez campanha ativa contra as precauções defendidas pelo Ministério da Saúde para evitar as infecções, e agora semeia dúvidas sobre a segurança da vacina apadrinhada por seu adversário Doria. Os dois, que foram aliados nas últimas eleições presidenciais, têm travado duros confrontos sobre se a vacinação deve ser obrigatória ou não. Cada um apoia candidatos diferentes para as eleições municipais. Essa disputa eleitoral é considerada um prelúdio para as eleições presidenciais de 2022.
Repercussão
O líder da Minoria na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), protocolou requerimento de informações ao ministro da Saúde sobre a decisão da Anvisa, como o Instituto Butantan foi informado e quais os motivos que embasaram a suspensão.
O requerimento também questiona porque a agência não optou pela interrupção dos testes da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, também em testes no país, que registrou a morte de um voluntário brasileiro.
“Vivemos a maior pandemia de saúde do século, contabilizamos mais de 160 mil mortos e os efeitos econômicos da paralisação das atividades já são devastadores. O mundo inteiro aguarda ansiosamente a vacina para o combate ao Covid-19, e nesse momento crucial, o governo brasileiro age como se a vida das pessoas fosse objeto de disputa eleitoral. Irresponsabilidade! Absurdo! Então, solicitamos as informações contidas nesse requerimento para melhor esclarecimento do tema”, diz o requerimento.
No Twitter, a líder do PCdoB na Câmara, Perpétua Almeida (AC), considerou a situação “muito grave” e alertou que caso haja comprovação de motivação política ou ideológica para a interrupção dos testes, “o Congresso tem duas providências imediatas a tomar: cassar o mandato do presidente da Anvisa e abrir o processo de impeachment contra Bolsonaro”.
“‘Evento adverso grave’ é ver o presidente colocar em risco a saúde dos brasileiros por disputa política, ao comemorar decisão da Anvisa de suspender estudos da vacina Sinovac/Butantan. Mesquinho, Bolsonaro só pensa em eleição e enlameia reputação de respeitada instituição nacional”, publicou a deputada na rede social.
Por meio de nota, o líder do Cidadania na Câmara, Arnaldo Jardim (SP), considerou a publicação de Bolsonaro “inconsequente”.
“É assim que classificamos a declaração do presidente da República, ao comemorar a suspensão pela Anvisa dos testes com a vacina que pode salvar a vida de milhões de pessoas. Além de desprezar a ciência, Bolsonaro se comporta de maneira antiética e desprezível. Longe da estatura exigida para um chefe de governo de um país gigante como o Brasil”, avaliou o líder.
O evento adverso que levou Anvisa a suspender os testes foi o suicídio de um voluntário, disse à Reuters uma fonte com conhecimento do assunto.
Em coletiva nesta terça-feira, o diretor-presidente do órgão regulatório, Antonio Barra Torres afirmou que a decisão era a única a ser tomada a fim de obter informações necessárias para a autorização ou não da continuidade dos trabalhos.