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Perfil: a mente, as histórias e as lutas de Cuca, o treinador do improvável

24 jul 2013 - 13:57

Redação Em Dia ES

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Em 1997, o pai de Cuca passou por uma cirurgia no coração. Após o procedimento, com seis horas de duração, o médico responsável pela operação chamou o filho do paciente e disse que ele se tranquilizasse, pois a chance de recuperação era de 97%. Cuca foi para casa aliviado, feliz.

No dia seguinte, o pai dele morreu

Em 2009, Cuca assumiu um time que se debatia a caminho do rebaixamento. Chegou um momento em que matemáticos avisaram: a chance de queda do Fluminense era de 99%. Em seu íntimo, o treinador lembrou do que escutara do médico quase duas décadas antes. E pensou: “Danem-se os números.”

O Fluminense não caiu

A vida por vezes corre às avessas para Alexi Stival. Os melhores momentos parecem dar errado. As lutas mais improváveis parecem dar resultado. Aos 50 anos, Cuca é um sujeito que tenta equilibrar melhor essa dualidade tão característica do ser humano, essa luta frequente entre a racionalidade e a emoção, entre a consciência e a paixão. Os adjetivos que caracterizam sua personalidade sempre foram exacerbados: afetuoso ao extremo com quem gosta, desconfiado com quem não conhece, religioso até o limite, supersticioso quase até a paranoia, obcecado por vitórias, exageradamente preocupado, por vezes pessimista.

Pessimista? Na última sexta-feira, ao analisar a situação do Atlético-MG na Libertadores, o treinador foi direto assim:

– Sei que vamos ser campeões. Vamos sair vitoriosos na quarta-feira.

Acontece que Cuca mudou. A chegada a uma final de Libertadores coincide com um processo de amadurecimento do treinador – um sujeito que vai migrando dos extremos para o equilíbrio. Entre quem trabalhou com ele, existe uma visão quase unânime: taticamente, ele entende do riscado como poucos. O que pegou, durante anos, foi a instabilidade emocional. Um ex-jogador do São Paulo (seu nome será preservado) comparou o atual comandante do Atlético a seu sucessor no Morumbi, Emerson Leão. Disse que preferia lidar com o ex-goleiro, de quem sempre sabia que ouviria alguma grosseria, do que com Cuca, que em um dia era o sujeito mais afável do mundo, mas no outro mal olhava para os lados.

Agora, o treinador dá sinais de estar mais confiante, mais seguro. É o resultado da experiência que adquiriu ao treinar alguns dos principais clubes do Brasil: Flamengo, Fluminense, Botafogo, São Paulo, Santos, Grêmio, Goiás, Cruzeiro, Atlético-MG. Entre bons trabalhos e decepções, ele chega ao cume de sua carreira como técnico. Nesta quarta-feira, contra o Olimpia, pode ser campeão da Libertadores – um título suficientemente forte para desbancar os resquícios de desconfiança que o perseguem.

Homens também choram

Quando Maxi Rodríguez parte para a cobrança de seu pênalti naquele 10 de julho, Cuca está em transe, ajoelhado na beira do campo do Independência. A camisa com a imagem de Nossa Senhora gruda-se ao corpo dele, suado. O coração bate descompassado, fazendo vibrarem as medalhinhas que servem de escudo para um homem extremamente apegado à fé. O argentino bate. Victor voa para a esquerda. Espalma. Leva um segundo, quase um espasmo, para o corpo de Cuca reagir. Ele desaba no gramado. Fica com o rosto grudado na grama. Sente o cheiro da terra. Chora.

Homens também choram. E o choro foi uma marca de Cuca – literal ou simbolicamente. Ele sempre teve aversão à dor, por mais vinculado ao sofrimento que por vezes pareça ser. Quando criança, colocou as duas pernas em um pé de cacto. Foi para o hospital, sofreu muito com a retirada dos espinhos de uma perna e escondeu os ferimentos na outra. Preferia ficar com eles a passar por mais dor. Ao chegar em casa, foi desmascarado pelos pais. Teve que retornar para retirar os outros espinhos.

Ainda jovem, quando consolidava sua carreira como jogador no Grêmio, Cuca chegava ao Olímpico prestes a desmoronar. Parecia que tinha acontecido algo terrível com ele. Na verdade, a aflição era porque deixara sua filha mais velha, Maiara, hoje com 24 anos, choramingando em casa – fruto de dores de barriga normais em crianças.

Já homem formado, ele teve que lidar com as piores lágrimas. Ao enterrar o pai, tentou figurar como homem forte da família, já que os irmãos se mostraram extremamente abalados. Ferido na alma, Cuca aproximou-se da mãe, dona Nilde, e disse:

– A senhora, a partir de hoje, será minha mãe e meu pai.

A morte do pai foi um rito de passagem de Cuca. A dor pessoal foi a etapa definitiva para ele abandonar os campos. Resolveu estudar educação física. Logo virou treinador do Uberlândia, o primeiro passo na carreira que firmou em seguida. E que também teve o choro como uma marca – desta vez simbólica. O Campeonato Carioca de 2008 fez o treinador, domando as lágrimas, reunir o elenco do Botafogo às suas costas para, diante da imprensa, reclamar da arbitragem contra o Flamengo. Cuca disse que o verdadeiro campeão estadual daquele ano era seu time. O episódio ficou conhecido como “chororô”.

Mas Cuca também ri. E muito. Quando está de férias, vai para o aconchego da família em Curitiba, onde foi criado. Lá, joga cartas, fica dando voltas na piscina, jogando água para tudo que é lado. Esquece o futebol. É um homem livre.

– Ele é um crianção. Quando está de férias, desliga mesmo. Fica jogando cartas, inventando brincadeiras. Vai na piscina, joga água ali, empurra aqui. Ele é o paizão da família. É um ótimo filho, um ótimo pai, um irmão maravilhoso. E é amigo de muita gente – orgulha-se dona Nilde.

Cuca foi criado em uma chácara, em meio a animais. Gostava deles. Muito pequeno, dava sustos na família ao se aproximar dos bichos. Chegou a ter os botões de uma camisa mastigados por um cavalo. Foi lá que começou a se interessar por futebol. Desde muito novo, saía chutando uma bola por tudo que era canto. Ou brincava como goleiro. Defendia os chutes dos mais velhos e os provocava, quicando a bola sobre a linha. Conforme foi crescendo, deixou claro que levava jeito era com os pés. Virou um grande jogador.

O jovem meio-campista foi para o Rio Grande do Sul trilhar sua história. Começou no Santa Cruz. Depois, foi para o Juventude. Lá, chamou a atenção de seu treinador, que fez questão de levá-lo junto quando foi para o Grêmio. Esse treinador se chama Luiz Felipe Scolari.

– Cuca foi um dos melhores meias com quem trabalhei. Ele sabia fazer todas as funções do meio, e muito bem. Sempre foi um jogador de equipe – comenta o treinador da seleção brasileira.

Felipão levou Cuca para o Grêmio porque percebeu no meia um jogador capaz de se entregar taticamente ao time. Aquela equipe tinha um outro jogador muito talentoso no meio, mas bem menos devotado à marcação. Ele se chamava Assis, e na época já se dizia que bom mesmo era o irmão dele, um garoto dentuço que batia bola pelos cantos do campo no Olímpico. Que ironia: mais de 20 anos depois, Cuca telefonaria para Assis e pediria a ele que agilizasse a contratação daquele menino, que virou Ronaldinho Gaúcho, para o Atlético-MG. Juntos, eles chegariam à final da Libertadores.

Assis e Cuca fizeram os gols do título da Copa do Brasil de 1989 para o Grêmio (veja no vídeo acima). O irmão de Ronaldinho marcou o primeiro. Mas aí o Sport empatou, em um gol contra do goleiro Mazaroppi. O presidente do time tricolor na época, Paulo Odone, lembra que Cuca logo assumiu a responsabilidade pela vitória.

– Aquele gol dava o título para o Sport. Foi uma infelicidade do Mazaroppi. Lembro que o Cuca foi até o goleiro, bateu no ombro dele e disse: “Deixa, vou fazer o gol.”

E fez. No segundo tempo, ele deu o título ao Grêmio. Ali já estava, portanto, um atleta seguro, um porta-voz do time, um líder nato, certo? Errado. Quem visse Cuca naquela época não poderia ter a menor ideia de que ele viraria treinador. Era um jogador de pouca voz, até acanhado.

– O Cuca sempre foi um bom jogador. Mas era dificil imaginar que ele pudesse se tornar treinador, pelo perfil dele. Ele não tinha perfil de liderança. Não era um jogador que falasse muito. Não era de assumir muita responsabilidade, até por estar em início de carreira – lembra o ex-zagueiro e hoje comentarista Edinho, capitão do Grêmio de 1989.

A visão é corroborada por Antônio Carlos Verardi. Com quase 50 anos de serviços prestados ao Grêmio, o superintendente do clube fala com muito carinho de Cuca. Mas também diz que não via nele as caracaterísticas de um futuro técnico.

– Achava que ele não entendia nada. Eu o chamava de burrinho. Quem trouxe o Cuca foi o Felipão. Ele dizia: “Esse tem a cara do Grêmio, é obcecado, mete a cara na bola.” O Cuca raramente saía de campo sem algum arranhão.

Cuca teve uma carreira sólida como atleta. Também defendeu o Valladolid, da Espanha, e voltou ao Brasil para jogar por clubes como Inter e Palmeiras, até encerrar a carreira no Coritiba. Antes, porém, passou por um dos momentos mais conturbados de sua vida. Em uma excursão do Grêmio à Suíça, foi acusado de estupro, junto com dois colegas de time (Eduardo e Henrique), por uma garota de 13 anos. Na época, ela alegou que foi violentada pelo trio ao entrar no quarto de um deles para ganhar camisetas do clube. Os jogadores ficaram 28 dias detidos. Eles e o Grêmio negaram as acusações.

Como treinador, um colecionador de histórias

A morte do pai tornou Cuca um sujeito mais paternal, mais responsável. Ele se sentiu pronto para virar treinador. Começou no Uberlândia, em 1998, e aí perambulou por clubes pequenos e médios até fazer seu primeiro trabalho de projeção nacional, em 2003, com o Goiás. Ele tirou o time da última colocação no Campeonato Brasileiro e o colocou entre os dez primeiros. Virou uma aposta no mercado de técnicos.

Fonte: Globoesporte.com

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Atualizado: 24/07/2013 13:57

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