A racionalização dos encargos setoriais deve ser encarada como uma agenda prioritária na modernização do setor elétrico, retirando subsídios cruzados, tornando mais claros os sinais de preços e permitindo que todas as fontes compitam em mesmas bases
A Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) do ministério da Economia realizou estudo no qual defende a “racionalização dos encargos setoriais” do setor elétrico. Em outras palavras, a redução ou até eliminação dessas tarifas cobradas nas contas de luz e que servem para bancar uma série de outros programas públicos.
“A racionalização dos encargos setoriais deve ser encarada como uma agenda prioritária na modernização do setor elétrico, retirando subsídios cruzados, tornando mais claros os sinais de preços e permitindo que todas as fontes compitam em mesmas bases. Trata-se de uma agenda com potencial de redução do custo final da energia elétrica, insumo fundamental para a aumento da produtividade, motor do crescimento econômico”, diz o texto.
O material faz uma ampla análise dos diferentes itens que compõem a conta de energia no Brasil. A avaliação foi de que eles, desde a edição da Medida Provisória 579 (MP do setor elétrico) no governo Dilma Rousseff, representam o motivo fundamental dessa energia ser tão cara no Brasil, prejudicando consumidores e o setor industrial. “Os encargos setoriais são instituídos por leis aprovadas pelo Congresso Nacional e representam aproximadamente 14% da composição da tarifa”, aponta o texto.
O texto faz uma distinção entre o encargo que beneficia o próprio consumidor de energia, financiando maior segurança no sistema ou universalização dos serviços, e o que financia políticas sem benefício para ele. No primeiro caso, seria positivo. No segundo, não.
“Há despesas ou subsídios embutidos nos encargos, no entanto, que não se justificam, gerando distorções nos preços sem qualquer benefício aos consumidores do sistema elétrico. Nesses casos, o mais adequado seria descontinuar os subsídios, ou encontrar outro meio para seu financiamento”, diz o documento, que cita como exemplo descontos dados para o setor rural e de saneamento, bem como para energias alternativas que já teriam mercado consolidado.
“Apesar da total legitimidade do Congresso Nacional em instituir políticas públicas, este texto objetiva alertar para o fato de que os encargos setoriais têm aumentado sua participação na tarifa de energia elétrica, distorcendo o custo desse serviço público no Brasil”, diz o material.
“A existência dessa distorção é prejudicial ao setor elétrico como um todo, constituindo-se em uma das principais causas das ineficiências nesse mercado, prejudicando a competitividade dos preços da energia elétrica”, completa.
O texto aponta que a tarifa média de energia elétrica cresceu 241% entre 2001 e 2018, acima, portanto, do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que subiu 181%. “Ou seja, a energia elétrica tem se tornado mais cara em termos reais, impactando o poder de compra da população e a competitividade da economia”, explica o material.
A secretaria acrescenta que, no começo dos anos 2000, os encargos setoriais eram praticamente desprezíveis, mas, no biênio 2015-2016, chegaram a rivalizar com todo o custo de capital e operacional de todas as redes e ativos de distribuição de energia elétrica no Brasil.
“Esse forte aumento dos encargos setoriais contribuiu para tornar a tarifa residencial brasileira muito cara, empobrecendo o consumidor brasileiro”, aponta.
O titular da Secap, Alexandre Manoel, reforçou ao Valor Econômico a mensagem de que boa parte dos encargos setoriais está financiando políticas não diretamente ligadas ao setor elétrico. “Todos os consumidores estão pagando por políticas públicas sem ter clareza disso”, salientou, acrescentando que a energia cara no Brasil é um dos fatores que leva à baixa competitividade do setor industrial.
Ele ressalta que o texto não contesta o mérito das políticas, mas joga luz sobre o tema de qual é a melhor forma de se financiar esse tipo de ação. Manoel comenta que os subsídios normalmente criados depois têm dificuldade de serem extintos ou reduzidos. E avaliou que é preciso haver uma discussão mais transparente sobre eles, explicitada no âmbito do Orçamento Geral da União, e não de forma oculta como ocorre nos encargos setoriais.
Manoel reconhece que a lógica do estudo sobre encargos de energia é semelhante à do apresentado sobre a desoneração da cesta básica, que explicitava os problemas e ambiguidades do sistema e propunha sua transformação em política de transferência de renda. “O papel desse estudo é explicitar a questão”, disse.
O secretário apontou a necessidade de se avançar nesse tipo de agenda que, para ele, promove aumento da produtividade e competitividade.
“Não basta resolver a questão macroeconômica, precisamos resolver também essas distorções setoriais”, salientou, lembrando que hoje o Brasil tem taxas de juros e câmbio muito mais competitivas do que no passado, mas o crescimento esperado não é tão forte.
Com: Valor Econômico