Variáveis como a diminuição da informalidade e os benefícios previdenciários da categoria também impulsionam o movimento
O número de microempreendedores individuais (MEIs) no país cresceu 10,2% no primeiro semestre de 2020, na comparação com o mesmo período do ano passado, chegando a 10.323.426 registros. Foram 892.988 novas formalizações nos seis primeiros meses do ano, um recorde histórico semestral, segundo dados do Portal do Empreendedor, do governo federal.
Entre os indicadores que explicam o crescimento das formalizações estão o aumento do desemprego, mudanças nas relações de trabalho e as vantagens que a formalização garante, como aposentadoria por tempo de contribuição, salário-maternidade e auxílio-doença.
Dados do IBGE mostram um aumento na taxa de desocupação no trimestre entre março e maio, com o desemprego atingindo cerca de 12,7 milhões de pessoas no país – um acréscimo de 368 mil pessoas frente ao trimestre encerrado em fevereiro de 2020.
A combinação desses fatores, segundo especialistas, impulsiona o fenômeno do empreendedorismo por necessidade – quando a crise do mercado de trabalho faz com que as pessoas busquem a formalização como microempreendedor individual para fugir do desemprego.
“O empreendedorismo por necessidade vinha caindo, mas em meio à crise mais grave do século se intensificou. Esse fenômeno não decorre de uma escolha ou vontade dos indivíduos. Como o desemprego cresce, as pessoas buscam novas fontes de subsistência para continuar gerando renda”, explica Rubens Massa, professor do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas.
Como consequência do avanço nos registros de MEIs, o país registrou um recuo no número de trabalhadores informais. A taxa de informalidade saiu de 40,6% no trimestre encerrado em fevereiro para 37,6% em maio, o menor patamar da série histórica, iniciada em 2016.
Mais formalizações
Além do aumento do desemprego, outro fator que contribuiu para o aumento do número de MEIs é a facilidade de adesão e possibilidade de prestar serviços a um custo baixo, além dos benefícios previdenciários.
“As pessoas estão buscando uma atividade porque estão precisando de remuneração e o MEI é a porta de entrada. Os benefícios que a formalização proporciona, como auxílio-doença e aposentadoria por idade também têm levado as pessoas a olharem as vantagens de ter uma atividade formalizada”, afirma Alexandre de Carvalho, CEO da EasyMei, aplicativo que auxilia os microempreendedores na gestão dos seus negócios.
Os mecanismos que compõem o MEI foram criados com o objetivo de acelerar a formalização de pequenos negócios e de trabalhadores autônomos. O regime criado há 11 anos permite que o microempreendedor tenha CNPJ, emita notas fiscais, empregue até um funcionário, além de ter acesso a linhas de crédito voltadas a pequenos empresários.
Podem se enquadrar na categoria de microempreendedor individual negócios que faturam até R$ 6,7 mil por mês (ou R$ 81 mil por ano). O MEI é enquadrado no regime de tributação simplificada do Simples Nacional – que tem menos obrigações fiscais e isenção de tributos federais, como Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, PIS, Cofins, IPI e CSLL.
Registrado, o MEI passa a contribuir obrigatoriamente para o INSS, com 5% do salário mínimo, o equivalente a R$ 52,25 mensais. Ele também deve recolher R$ 1,00 de ICMS se a atividade exercida for na indústria, comércio ou transportes de cargas interestadual, ou R$ 5,00 de ISS, se a atuação for na área de serviços ou transportes municipais.
Paulo Cereda, gerente regional do Sebrae-SP, avalia que o aumento da formalização pode incentivar a contratação de MEIs para prestação de serviços a empresas.
“Um dos principais exemplos dessa mudança no mercado de trabalho são os salões de beleza, que contratam MEIs para prestar serviço. Isso acontece com menor intensidade neste momento, mas tende a crescer quando a economia tracionar novamente”, diz Cereda.
Segundo dados do Portal do Empreendedor, cabeleireiros, manicures e pedicures eram a categoria com o maior número de registros de MEIs em junho, cerca de 797 mil, seguido pelo comércio varejistas de artigos de vestuário, com 762 mil, e pelos profissionais do setor de obras de alvenaria, com 460 mil microempreendedores.
Oportunidade
Embora o desemprego contribua para aumentar o número de trabalhadores por conta própria e intensificar o fenômeno do empreendedorismo por necessidade, tendências impulsionadas pela pandemia também têm gerado oportunidades de negócios e influenciado na criação de novos microempreendedores individuais.
Um levantamento feito pela Easymei, entre 03 de março e 13 de junho, mostra que, entre as dez principais categorias de microempreendedores, a que mais cresceu durante a pandemia foi a de produção de alimentos para consumo domiciliar.
O número de MEIs nessa atividade avançou em 10,4% no período, impulsionado pelo aumento dos pedidos via delivery. Um desses novos negócios é a Hamburgueria Delivery, criada pelo casal Pedro Zanolo e Mateus Felix, na cidade de São José do Rio Preto, interior de São Paulo.
Zanolo, que trabalha como analista de suporte, conta que com a possibilidade de o namorado e sócio perder o emprego devido à pandemia e o aumento do delivery na cidade, eles viram o cenário perfeito para realizar o sonho de montar um negócio, que era postergado por falta de recursos.
Como não precisariam de um lugar fixo para começar o empreendimento, eles fizeram adaptações na cozinha de casa e abriram um MEI em abril para iniciar as atividades online.
“O investimento não era muito alto para iniciar o negócio, só precisaríamos realizar algumas adaptações e comprar utensílios domésticos. Já começamos com foco no digital justamente por não termos estrutura para ter uma loja física hoje, mas gostaríamos de começar. O negócio segue crescendo e meu sócio saiu do emprego fixo para se dedicar ao nosso negócio”, revela Pedro.
Maior acréscimo de registros de MEIs entre março e junho nas dez principais categorias:
Fornecimento de alimentos (24.985 novos registros)
Cabeleireiros, manicure e pedicure (24.718 novos registros)
Obras de alvenaria (17.412 novos registros)
Promoções de vendas (16.897 novos registros)
Comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios (15.629 novos registros)
Lanchonetes, casas de chá, de sucos e similar (13.003 novos registros)
Comércio varejista de mercadorias em geral (minimercados, mercearias e armazéns) (9.220 novos registros)
Atividades de estética e outros serviços de cuidados com a beleza (6.897 novos registros)
Serviços ambulantes de alimentação (6.414 novos registros)
Instalação e manutenção elétrica (5.973)
Cenário no longo prazo
Rubens Massa, da FGV, acredita que nos próximos meses a quantidade de microempreendedores individuais deve aumentar, porque a tendência é que o desemprego avance ainda mais com a extinção dos atuais subsídios do governo para manter os empregos, como a paralisação do contrato de trabalho.
“A tendência é que o número de trabalhadores informais e de microempreendedores individuais cresça e é muito importante compreender que esse dado não significa que o empreendedorismo no país está crescendo. Isso acontece porque as pessoas estão buscando alternativas ao desemprego e as próprias empresas estão buscando formas de contratação mais flexíveis na crise, como a terceirização”, diz Massa.
Alexandre de Carvalho, da Easymei, concorda com Massa e reforça que os novos empreendedores precisam ter alguns cuidados. “Apesar de o MEI ser a forma mais fácil de se constituir uma empresa atualmente, muitas pessoas que não estão prontas para empreender entram nesse mundo sem educação financeira e de gestão necessários e isso contribui para o grande índice de mortalidade das empresas”.
Desafios
Em um cenário crescente de empreendedorismo para subsistência, os novos negócios são criados sem recursos básicos para se desenvolver com saúde.
A crise atual é mais severa com os micro e pequenos negócios, que representaram 99,8% das 716,4 mil empresas que encerraram suas atividades na primeira quinzena de junho, segundo o IBGE. A dificuldade de acesso ao crédito é um dos principais problemas enfrentados por esses empreendedores desde o início das medidas restritivas que paralisaram a economia.
O governo federal criou algumas ferramentas para ajudar o público nesse período, como o auxílio emergencial e linhas de crédito, como o Pronampe. Durante o período também foi prorrogado o prazo para pagamento dos tributos federais, estaduais e municipais no âmbito do Simples Nacional. A medida beneficia os MEIs por seis meses.
Porém, ao empreender para garantir alguma renda, os novos microempreendedores precisam saber lidar com as incertezas e ser flexíveis diante da possibilidade que o negócio pode não gerar receita o suficiente para manter a empresa em operação no seu início.
Em um cenário de mudanças constantes, a criatividade e a capacidade de aprender continuamente se tornam características ainda mais necessárias para gerenciar o negócio.
“O modelo de negócio inicial geralmente não será o modelo maduro, que de fato trará ao empreendedor o sucesso que ele almeja. Isso é inerente à criação de qualquer empresa. É necessário dialogar e interagir com o ambiente para aprender as reais dores e demandas para que você se enquadre. A oportunidade é sempre a interseção do que você tem a oferecer com o que o ambiente precisa”, afirma Massa.