Por que você devia começar a ler um autor contemporâneo hoje?
Quase todo mundo conhece alguém que escreve e tem o sonho de lançar um livro.
Agora, imagine que essa pessoa seja publicada com uma distopia interessantíssima, que pega o que existe de melhor dos clássicos do gênero e ainda acrescenta alguns elementos singulares, talvez até originais.
Esse livro vai, inevitavelmente, disputar as estantes das livrarias com Aldous Huxley, Anthony Burgess e George Orwell; nomes obrigatórios da distopia, gênero no qual nosso amigo está estreando. O título recém-lançado vai disputar mercado também com livros como as séries Divergente e Jogos Vorazes, distopias contemporâneas, sucessos de vendas nos últimos anos e ambos com adaptações cinematográficas que os tornaram ainda mais conhecidos.
Ah! Notou que todos os autores mencionados nesse exemplo são estrangeiros? Não é por acaso — outra aparente predileção das editoras.
Todo esse processo, muito menos que uma escalada ao pódio cujo prêmio é a publicação, mais parece com algo como novos autores sendo jogados ao tanque dos tubarões; fica aí uma ideia gratuita para entretenimento televisivo. Isso sem contar que chegar a ter um livro publicado já é bastante coisa, apesar das pouquíssimas garantias, como atesta Lourenço Mutarelli nesta entrevista.
Em vias tradicionais, é preciso que uma editora compre a ideia do livro e isso quer dizer que a obra terá sua qualidade atestada, ou não, por vários pares de olhos que podem incluir também projeções de vendas e potencial de marketing. Para quem procura a autopublicação, o trabalho pode ser tanto maior, já que o autor (e empreendedor) precisará jogar sozinho, ou com tanta ajuda quanto seus recursos conseguirem pagar, em todas as posições do mercado editorial. Quem quer que se aventure a ler uma pessoa viva, ainda construindo as próprias biografias e bibliografias, estará em contato com alguém que passou por alguma dessas realidades. Autores contemporâneos já consagrados e ainda alguns clássicos, também, mas deixamos estes últimos no texto de semana passada (leia aqui).
Se esses parágrafos não forem defesa e motivo suficientes para abrir um autor contemporâneo hoje mesmo, alguns dos tópicos abaixo talvez chamem atenção.
Diversidade e representatividade
Recentemente, algumas imagens da nova série do Senhor dos Anéis, que sairá pela Prime em setembro deste ano, deixaram alguns leitores mais puristas de Tolkien desconfortáveis. A série terá atores negros em papeis de elfos, representatividade que, por várias razões, não se vê nos livros. A pauta da adaptação da série acabou repercutindo bastante entre fãs do clássico da literatura de fantasia nas redes sociais, não sem inúmeras ponderações a favor e contra a diversidade, ofensas e falas racistas.
O problema nasce da cristalização dos padrões estéticos construídos sobre a obra de Tolkien, algo que dificilmente acontecerá dentre os contemporâneos, principalmente porque muitos já vêm originalmente com o pensamentos de diversidade e inclusão — até porque, existem autores que participam de tantos grupos quanto possível escrevendo suas histórias, criando inúmeras possibilidades de representatividade para os leitores.
Além disso, o mundo da literatura clássica, geralmente, não viaja muito para depois da Rússia, o que gera, naturalmente, um silêncio para vozes de diversas outras culturas e experiências de vida. Estamos em um momento ímpar para ler autores contemporâneos também sob a perspectiva cultural, visto que a internet demoliu barreiras geográficas e ter acesso a autores de fora do mapa canônico da literatura é algo relativamente mais fácil.
Pautas
A favor de si, a literatura contemporânea tem também a relevância dos seus temas para a atualidade. Ler livros que remontam os séculos XVIII ou XIX nunca deixará de ser importante, mas folhear obras que falam sobre o nosso dia a dia, nossos conflitos e questões importantes para o momento no qual nós estamos vivendo, pode fazer com que tenhamos contato com visões diferentes das alegrias e dores que nos afetam atualmente — e sempre de uma maneira original, conforme a criatividade de cada autor.
Note o uso dos pronomes no plural. Ler pessoas que estão perto da gente, de maneira temporal, geográfica, demográfica, emocional etc. intensifica a ideia de que o mundo dos leitores é um grupo do qual podemos pertencer.
Linguagem
Outro quesito de aproximação, e este é um verdadeiro combustível para quem precisa retomar ou adquirir o tal hábito de leitura, é a linguagem. Em meados do ano passado, reli Dom Casmurro e tive de parabenizar o João de 15 anos que leu aquele livro da primeira vez. Não é uma leitura fácil porque, além das sutilezas, o ritmo é lento, se comparado ao padrão de histórias que estamos acostumados hoje, e também por causa do vocabulário, com vários termos já não usados há algumas centenas de anos.
Em suma
Para quem sente culpa quando lê um contemporâneo, achando estar traindo Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e Machado de Assis, saiba que os clássicos de hoje, são os contemporâneos do passado e os contemporâneos de hoje podem se tornar os clássicos do futuro — e provavelmente nenhum de nós vai viver pra ver isso.
Além disso, os contemporâneos nos oferecem uma coisa que clássico nenhum pode oferecer: a não ser que você pratique algum ritual de necromancia, o seu único contato com os escritores clássicos é através das suas obras. Já os contemporâneos, em sua maioria, estão por aí, em algum lugar do mundo e nas redes sociais. Quase todos devem ter endereço de email e talvez existam ainda outras formas de entrar em contato com eles. Conversar com o autor e vê-lo comentando de perto sua obra é uma das experiências que se somam ao que eu venho falando sobre como ler um livro não é apenas virar algumas centenas de páginas.
O artigo publicado é de inteira responsabilidade exclusiva de seu autor e não representam as ideias ou opiniões do site EMDIAES.