… em defesa de um escapismo ou outro
“Coisas diferentes podem ser tristes. Nem tudo é guerra.” Essa frase é dita no filme Lady Bird quando a protagonista descobre que foi enganada por um hipster tóxico. A citação da personagem é uma resposta para uma fala do namoradinho que mentiu para ela sobre sua vida sexual. Levianamente, o rapaz compara as frustrações da garota com a guerra no Iraque tentando invalidar a tristeza e insatisfação da moça.
Na história de Lady Bird, a menina está certa em pensar assim porque, além de ter sido enganada e encontrar-se terrivelmente desconsolada com isso, há muito mais odiosidade no personagem vivido por Timothee Chalamet do que sua sua constante cara de quem disfarça estar sentindo um cheiro ruim sugere. Porém, com todos os conflitos do mundo globalizado na palma das mãos o tempo todo, fica complicado sentir-se triste por assuntos que não figuram nas manchetes e trending topics.
Na verdade, se fizermos um exercício histórico, veremos que nunca houve uma escassez de acontecimentos problemáticos durante muito tempo no mundo. Assim, o maior elogio à loucura talvez seja o bem estar que a cisão com a vida real pode gerar, ou ao menos, a capacidade de desconhecer o que nos acontece de ruim quando esses fatos batem à nossa porta, entram pelas antenas de tv e chegam pelo sinal da internet. Guerra, pandemia, crises econômicas e humanitárias, exploração, preconceitos etc.
Mas, antes que entremos na espiral impraticável e contraproducente do culto à ignorância — queremos desver o que vimos e não conhecer o que já conhecemos, existe ainda uma outra proposta de suspensão da realidade que não é considerada uma patologia psicológica. O tempo em que mergulhamos em uma história pode fazer com que nossa mente descanse enquanto se distrai com outra coisa.
Eu sei que junto do parágrafo anterior surge a voz da moral e dos bons costumes dizendo: “então quer dizer que o mundo está acabando lá fora e o que as pessoas precisam é de ler uns livrinhos para se distrair!?” Não necessariamente. Talvez assistir uma série, um filme, um documentário, um disco, um podcast, qualquer coisa.
Quando Ferreira Gullar dizia que “a arte existe porque a vida não basta”, podemos entender esse “bastar” não apenas no sentido de que as coisas da vida por si só não satisfazem, mas podemos pensar também que nem tudo o que a vida nos dá é o que precisamos e nem tudo que nos acontece tem um lado positivo. Ao realizar determinados procedimentos cirúrgicos, só acordamos depois de tudo terminado, com todas as coisas em seus devidos lugares, na hora que o efeito da anestesia passa.
Não é errado distrair-se para descansar. É necessário. É preciso admitir essa vulnerabilidade para descansar sem culpa e criar a disposição necessária para encarar os noticiários de novo...
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