cultura

Leitura Em Dia: Eu leio gente morta!

06 fev 2022 - 14:30

Redação Em Dia ES

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…não o tempo todo, mas com muita frequência. Por quê?
Dois vivos e dois mortos. Comecei as minhas leituras de 2022 assim. Minha “meta de leitura” deste ano vai se basear nesse fato. Confesso que eu não daria conta de participar de qualquer um daqueles desafios de leitura estilo 365 livros em um ano que vemos por aí e “ler mais” é uma resolução de ano novo que passa longe das promessas que eu faço pra mim mesmo. Sou um leitor lento e com várias limitações de tempo, qualquer tentativa em uma empreitada assim estaria fadada ao fracasso. Mas, a minha ideia é sempre ler tanto quanto possível e, sempre que possível, eu estou realmente lendo. Assim, em vez de participar de desafios ou criar metas de leitura para o ano, apenas me impus a regra bem simples de ler um escritor vivo para cada escritor morto. O objetivo é balancear a leitura dos contemporâneos com a dos clássicos. 

Os contemporâneos sempre rodaram na minha mochila e também faziam parte das minhas estantes. Lê-los é hábito que sempre busquei meio envergonhado, mas descobri recentemente que constrangimento é um sentimento egoísta e, na esperança de deixar isso para trás, lerei meus contemporâneos à luz do dia e não mais escondido em alguma caverna imunda com medo da inquisição literária. Falo isso porque existem alguns preconceitos com literatura atual e, aparentemente, é apenas a passagem do tempo e da vida de seus autores que podem lhe garantir um juízo menos enviesado. Parece que, pra ser bom, o livro tem que ser velho; seu autor, morto e enterrado — e que o verme que primeiro roeu a fria carne de seu cadáver receba a dedicatória da saudosa lembrança destas póstumas memórias. 

Apesar de, no meio literário, existir quem insista que os clássicos estão sendo esquecidos e que é preciso defender a alta literatura e que o ocidente está perdendo uma guerra cultural por causa de tendências políticas nefastas e outros arroubos delirantes do tipo, a mais profunda verdade é que os clássicos não precisam da nossa proteção. Essas obras já chegaram lá e qualquer leitor dedicado vai esbarrar com elas mais cedo ou mais tarde, porque impregnaram toda a nossa cultura, não apenas a alta cultura. Os clássicos pautam também o nosso modo de pensar. Além disso, existem inúmeras adaptações deles em diversas mídias e várias obras contemporâneas trazem referências aos clássicos. O clássico, como diria o escritor Ítalo Calvino, “é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha pra dizer”. 

Por outro lado, os contemporâneos precisam ser incentivados, seja por causa do senso comum de que são mais populares e a tendência besta de tratar a cultura popular como algo inferior, seja por uma questão lógica de escolha — quando passamos mais de 12 minutos zapeando pelo catálogo da Netflix, quase sempre, acabamos revendo um filme pela milésima vez. O mesmo ocorre ao escolher um livro para comprar na livraria, em vez de optar pelo escritor estreante ou ainda pouco publicado, como resistir a um Dostoiévski, um Fitzgerald, um Kafka e por aí vai. E ainda pior, se um livro contemporâneo cair nas graças do povo, o que é raro, provavelmente haverá um movimento para desqualificá-lo tão somente pelo fato de ele ser popular.

O preconceito com livros que estão sendo escritos e publicados na contemporaneidade ignora o desconcertante fato de que todo clássico já foi literatura contemporânea e que ele se tornou clássico justamente por ser uma representação de seu tempo capaz de levar grandes questões que permanecem sem respostas — uma obra com algo ainda por ser dito...


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Atualizado: 06/02/2022 14:30

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