O Novo Ensino Médio possui pontos positivos, de acordo com especialistas, mas também tem sido alvo de críticas por grupos que chegam até a defender sua revogação.
CONTEXTO: Com o início do ano letivo e a obrigatoriedade de implementação do modelo a partir deste ano e, portanto, mais estudantes sob as novas regras, a reforma do ensino médio tem mobilizado discussões acaloradas nas redes sociais.
Falta de estrutura adequada nas escolas, despreparo dos professores e conteúdos inusitados em contraposição à diminuição da carga horária de disciplinas tradicionais são apontados como um risco de ampliar ainda mais a desigualdade no acesso ao ensino superior entre alunos oriundos do sistema público e os da rede privada.
O Ministério da Educação (MEC) diz que a questão “transcende a simples revogação e passa pelo debate sobre melhoria da qualidade”. A pasta pretende fazer uma “ampla pesquisa com toda a comunidade escolar” para “corrigir distorções”.
O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que representa as redes estaduais, afirma que “aprimoramentos e ajustes” podem e devem ser discutidos, mas que a revogação “não é o caminho para tornar essa etapa mais atrativa ao estudante”.
Alguns estados, como São Paulo, já têm pensado em fazer mudanças. O governo paulista estuda reduzir as opções de formação específica para poder dar mais apoio às escolas.
Entenda em 7 pontos o debate:
1 – O que é o Novo Ensino Médio?
É um novo modelo obrigatório a ser seguido no ensino médio por todas as escolas do país, públicas e privadas.
– Cada estudante pode montar seu próprio ensino médio, escolhendo as áreas (os chamados “itinerários formativos”) nas quais se aprofundará. A intenção é que sejam três anos de estudo com: conhecimentos básicos de cada disciplina conteúdos focados nos objetivos pessoais e profissionais dos alunos.
– Foi criado o chamado “projeto de vida”: um componente transversal que será oferecido nas escolas para ajudar os jovens a entender suas aspirações.
– Sancionado em 2017 no governo Temer, entrou em vigor em 2022 e prevê a implementação gradual até 2024.
– Se antes o modelo antigo era visto mais como uma preparação para o ensino superior, agora, a proposta é dar uma formação mais voltada ao mercado de trabalho.
2 – Quais são as críticas ao novo modelo?
Entidades estudantis estão entre os principais críticos à reforma do ensino médio. Nas redes sociais, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) está engajada em favor da revogação do modelo e tem cobrado uma reforma do sistema educacional.
Entre os argumentos apresentados pela Ubes estão:
– Desde o retorno presencial, o programa atravessa diferentes níveis de implementação, variando de estado para estado.
– As escolas públicas não têm infraestrutura para manter o novo formato.
– O aumento da carga horária, que deve chegar a 7 horas por dia em 2024, não é atrativo para alunos mais pobres que precisam trabalhar.
– As disciplinas clássicas têm menos prioridade na grade com a entrada das novas ofertas.
– Alunos de escolas públicas em cidades menores podem ser prejudicados, em comparação com alunos de escolas privadas ou de municípios maiores, por terem menos opções de itinerários formativos.
– Estudantes mais pobres podem ser desestimulados de seguir para o ensino superior por ter uma proposta de mercado de trabalho mais acessível, graças à disciplina profissionalizante que pode ser oferecida no novo formato.
– A legislação que instituiu o Novo Ensino Médio não foi discutida com todos os setores da educação.
Precisamos de escolas com tecnologia, com professores atualizados e com condições de trabalho dignas e que valorizem nossas potencialidades e múltiplas inteligências.
—Ubes
A Ubes cobra a revogação imediata do Novo Ensino Médio e a “construção de uma comissão tripartite, que una sociedade civil, estudantes e governo” para elaborar uma nova lei para regulamentar o ensino médio.
Procurada pela reportagem, a União Nacional dos Estudantes (UNE) afirmou que acompanha a Ubes nas reivindicações.
Em outra frente, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) montou um abaixo-assinado on-line para coletar apoio a favor da revogação da reforma e que já conta com mais de 96 mil signatários.
3 – O que dizem os defensores do Novo Ensino Médio?
Favoráveis ao novo modelo, o MEC e os governos estaduais argumentam que o objetivo é tornar essa etapa do ensino mais atrativa para os estudantes. Assim como especialistas na área, que concordam com o formato, eles reconhecem, porém, a necessidade de se discutir e fazer ajustes a fim de aprimorar a etapa. Entre os pontos vistos como positivos estão:
– Mais tempo em sala de aula: o novo ensino médio propõe ampliar o tempo de aulas diárias, adotando um formato de tempo integral. Até 2024, o dia letivo deve ter 7 horas, chegando a 1.400 horas/ano.
– O novo formato também visa formar o aluno em ao menos um curso técnico já nesta etapa educacional, a fim de adiantar a entrada no mercado de trabalho.
– A grade curricular é atualizada, mas nenhuma disciplina deve ficar de fora. Então, amplia-se o leque do que é ensinado aos alunos.
– Disciplinas optativas podem tornar a etapa mais atrativa para os alunos, o que pode ajudar a combater a evasão escolar, que é maior no ensino médio.
4 – Qual a opinião de especialistas?
O Todos Pela Educação é um dos que entendem que o novo formato aponta para a direção correta, com organização curricular por área do conhecimento e busca da interdisciplinaridade, mas defende a necessidade de ajustes.
Nosso entendimento no Todos é que o caminho passa por fugir do binarismo – “revoga tudo” ou “deixa tudo como está”.
— Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos Pela Educação
A entidade considera positiva “a ideia de uma arquitetura curricular diferente e da expansão da carga horária já estava presente”, mas vê dois problemas:
1- “A ausência de coordenação do governo federal nos últimos anos deixou os estados à própria sorte, gerando uma implementação muito heterogênea e, em muitos casos, problemática”.
2- “Há, sim, problemas nas normativas. Isso precisa ser dito, pois não é apenas um problema de implementação”. Entre as questões apontadas estão não levar em conta o avanço das escolas de tempo integral e a permissão de 20% do conteúdo ser dado à distância.
Outro aspecto central para o Todos é que apenas a mudança no currículo não é suficiente.
Se queremos um ensino médio de fato ressignificado, será preciso abordar outros elementos também, como infraestrutura escolar, dedicação integral do professor a uma única escola, gestão escolar, projeto pedagógico, valorização e formação docente, entre outros.
—Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos Pela Educação
O Movimento Pela Base ressalta que o modelo tem o objetivo de “garantir uma educação de qualidade, conectada aos desafios de nosso tempo e aos interesses de cada estudante – e, assim, ajudar a reverter os desastrosos números do velho Ensino Médio, como aqueles de evasão e de aprendizagem”.
Alerta, no entanto, ser “imprescindível” fazer “um monitoramento cuidadoso e um diálogo permanente com gestores, professores, estudantes e famílias, que aponte o que está dando certo, assim como as demandas e carências do processo”.
5 – O que os estudantes acham do novo modelo?
Ao mesmo tempo em que veem como positiva a oferta de conteúdos interdisciplinares, alunos que têm aulas no novo formato, de olho nos vestibulares, sentem falta de mais conteúdo nas disciplinas tradicionais.
6 – Qual a posição das redes estaduais?
O Consed ressalta que o Novo Ensino Médio é uma construção coletiva e que os novos currículos foram montados em conjunto pelos técnicos das secretarias, em colaboração com as equipes das escolas, e especialistas de entidades parceiras e sindicatos.
Para a entidade, “não é sensato pensar em descartar todo esse esforço técnico e financeiro despendido pelas redes estaduais ao longo dos últimos anos”.
Destaca que aprimoramentos e ajustes podem e devem ser discutidos, mas que a revogação é “inviável” e, “em nenhum momento, foi considerada pelos gestores estaduais, que são os responsáveis pela etapa de ensino na rede pública”.
7 – O que diz o MEC?
O debate sobre o novo ensino médio “transcende a simples revogação e passa pelo debate sobre melhoria da qualidade, sobre quais são seus elementos problemáticos e quais são os ajustes necessários”.
A posição que o MEC defende é pela “retomada do diálogo democrático sobre o sentido do ensino médio e sobre como podemos, juntos e com a prudência necessária, entregar a melhor escola para a nossa juventude”.
As equipes da pasta já estão planejando uma ampla pesquisa com toda a comunidade escolar para qualificar o debate, corrigir distorções e investir em boas práticas em andamento, com indução e coordenação do MEC para apoiar as redes de ensino.