O sofrimento dos que estão à margem do mercado de trabalho deve receber um olhar especial dos governantes e das próprias pessoas durante a pandemia de coronavírus
Em uma escala de mobilização inédita, diversos setores da sociedade civil em todo o Brasil estão se organizando desde a última semana para ficar em casa, a estratégia mais racional para evitar a disseminação do novo coronavírus. Não é algo simples, exige engajamento. Medidas duras de restrição da circulação estão sendo tomadas em tempo inacreditavelmente hábil, se for levada em conta a leniência que é mais comum na tomada de decisões por aqui.
O que dá uma carga ainda mais dramática ao cenário brasileiro é que a pandemia encontrou um país com uma economia em frangalhos. A adoção da quarentena, até agora uma ação voluntária, tem sido inviável para os mais pobres, principalmente o exército que encontrou na informalidade e nos serviços temporários a única possibilidade de sustento.
E dessa forma não há recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) ou de qualquer autoridade local que consiga impedir o trabalhador de sair de casa. É também questão de sobrevivência.
Na semana passada, foram inúmeros os relatos e vídeos de ônibus superlotados na Região Metropolitana de Vitória, cenas que se repetiram também por todo o país. Se já é uma situação de penúria no cotidiano, no cenário de pandemia pessoas aglomeradas vivem uma sensação de insegurança e impotência. Na sexta-feira, o governador Renato Casagrande decidiu acertadamente limitar o número de passageiros por veículo, reduzindo assim essa ansiedade entre quem depende de transporte público.
O sofrimento dos que estão à margem do mercado de trabalho deve receber um olhar especial dos governantes, mas também das próprias pessoas. Domésticas e diaristas, por exemplo, estão entre as atuações que tendem a ser mais prejudicadas no período ainda incerto de isolamento. A solidariedade que tem sido pregada serve também para esse caso, quando se orienta o pagamento,quando possível, mesmo que elas não compareçam para o trabalho. Pelo menos nesse primeiro estágio.
E não são só as escassas oportunidades que afligem: persistem também as condições de vida insalubres da população mais pobre. Como exigir isolamento de casos suspeitos quando há um cômodo só em casa, dividido por cinco, seis ou até mais pessoas? Como recomendar que se lave as mãos com frequência quando não há abastecimento de água e falta dinheiro para sabão? Álcool em gel, além de escasso, é artigo de luxo mesmo em tempos normais. As péssimas condições sanitárias do país vão cobrar seu preço.
Não se expor ao vírus acaba não sendo uma prioridade para muitos brasileiros quando se precisa sobreviver, diariamente. Essa é a questão que precisa estar límpida para aqueles que, por mais devastados pelas perspectivas de evolução da epidemia, estão seguros em suas casas, tomando as precauções possíveis. O novo coronavírus acentua as desigualdades e, consequentemente, as vulnerabilidades à doença.