A cúpula da Câmara dos Deputados pretende avançar com a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que restringe decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em reação à Corte. O movimento ocorre após decisão unânime do STF que derrubou parcialmente uma manobra da Casa em favor do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), relacionada à investigação sobre a tentativa de golpe em 2022.
Na avaliação dos ministros, apenas Ramagem poderia se beneficiar da suspensão de parte da ação penal e unicamente em relação a uma parcela das acusações. A resposta política do Legislativo vem por meio da PEC aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em outubro de 2023, ainda na presidência de Arthur Lira (PP-AL), mas que não teve seguimento.
Oriunda do Senado, a proposta impede que ministros do STF suspendam individualmente leis aprovadas pelo Congresso Nacional. Pelo rito legislativo, cabe agora ao novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), instaurar uma comissão especial para discutir o texto, passo necessário antes da análise em plenário.
Articulação política
Cinco interlocutores de Motta afirmaram à reportagem que o comando da Câmara deve dar prosseguimento ao tema como forma de sinalização institucional ao Judiciário. Há expectativa de que a discussão ganhe força na próxima semana, quando a Casa deve retomar suas atividades após período esvaziado devido à ausência de parlamentares, incluindo o presidente, que está fora do país.
Na noite de terça-feira (13), Motta anunciou nas redes sociais que a Câmara ingressou com uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para levar o caso Ramagem ao plenário do Supremo. “A harmonia entre Poderes só ocorre quando todos usam o mesmo diapasão e estão na mesma sintonia”, declarou.
Antes mesmo da decisão do STF, o clima entre os Poderes já era de tensão. Deputados demonstraram insatisfação com decisões recentes do ministro Flávio Dino, entre elas o bloqueio de emendas parlamentares destinadas à saúde, sob o argumento de falta de transparência e rastreabilidade, e o pedido de explicações ao líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ).
Segundo aliados de Motta, o pedido feito por Dino deveria ter sido tratado diretamente com a presidência da Casa, o que foi interpretado como um gesto de desrespeito por parte do ministro.
Reações e estratégias
Deputados avaliam que a PEC das decisões monocráticas representa uma reação institucional menos conflituosa. Segundo lideranças ouvidas, há um entendimento de que a proposta já aprovada no Senado em 2023 é um caminho viável, pois evita expor exclusivamente a Câmara e sinaliza um posicionamento mais moderado do Legislativo diante do Supremo.
Parlamentares também criticam o aumento no uso de decisões monocráticas pelo STF. Levantamento citado aponta que o número de liminares individuais em ações de controle de constitucionalidade subiu de 6 em 2007 para um pico de 92 em 2020. Em 2023, foram 71.
A decisão mais dura no julgamento do caso Ramagem veio justamente do ministro Flávio Dino. Ele afirmou que a Câmara, ao tentar suspender integralmente o processo contra o deputado, extrapolou suas atribuições constitucionais e tentou promover “indevida ingerência em um processo judicial de competência exclusiva do Supremo”. Para ele, “somente em tiranias um ramo estatal pode concentrar em suas mãos o poder de aprovar leis, elaborar o orçamento e executá-lo diretamente, efetuar julgamentos de índole criminal ou paralisá-los arbitrariamente — tudo isso supostamente sem nenhum tipo de controle jurídico”.
Outras propostas em pauta
Além da PEC das decisões monocráticas, há outras propostas em tramitação no Legislativo que tratam da relação entre os Poderes, como mudanças na forma de indicação de ministros do STF e a possibilidade de revisão de decisões da Corte pelo Congresso. Essas medidas, no entanto, não estão no radar das lideranças neste momento.
Desde 2024, a Câmara tem elevado o tom nas críticas ao Judiciário, acusando a Corte de desrespeitar a autonomia dos Poderes. Neste ano, a Casa criou uma secretaria específica para atuar na defesa das prerrogativas e da imunidade parlamentar. Apesar disso, lideranças defendem cautela para evitar o agravamento da crise institucional. A expectativa é de que o tema volte a ser debatido com mais profundidade nos próximos dias.