No último final de semana, os sítios históricos de Muqui e de São Pedro do Itabapoana, distrito de Mimoso do Sul, receberam os dois últimos eventos desse ciclo de palestras.
Essa série de debates possibilitou que gestores públicos, educadores, empreendedores e a população em geral pudessem discutir as especificidades das diferentes formas de patrimônio com a presença de pesquisadores e de especialistas sobre o tema. Cada patrimônio possui seus próprios riscos o que demanda um olhar igualmente específico a fim de possibilitar ações de preservação adequadas a cada uma dessas categorias.
O público presente nos seminários teve a oportunidade de propor ações, fazer reivindicações e discutir formas de preservação e de uso sustentável do patrimônio histórico e cultural capixaba.
Participação da comunidade
Cabe ao poder público, junto com a sociedade civil, estabelecer e implementar políticas que assegurem a correta utilização dos bens culturais. Nessa investida, é necessário conscientizar a população sobre a necessidade de proteção e de cuidado do patrimônio.
A subsecretária de Estado de Patrimônio Cultural do Espírito Santo, Joelma Consuelo Fonseca e Silva, explica que o patrimônio é um bem herdado e não se resume a imóveis ou objetos e inclui, obrigatoriamente, o homem. “Se cada morador não entender que aquele é um bem seu, a proteção e a preservação não virão de fora, por parte dos visitantes ou do poder público”, afirma Joelma.
O presidente do Conselho Municipal de Cultura de Muqui, Daniel Berilli, conta que a comunidade ainda se encontra dividida quanto à necessidade de se preservar e cuidar do patrimônio arquitetônico tombado. “É necessária uma ampla divulgação sobre a importância do cuidado com o patrimônio junto à crianças, jovens e a diversos públicos, pois muitos desconhecem a importância da preservação patrimonial”, disse Daniel. Ele também reconhece que as discussões trazidas pelo Seminário são interessantes, pois podem desencadear ações práticas no sentido da preservação.
Paisagem cultural
Alguns dos riscos ao patrimônio arquitetônico são a falta de manutenção das edificações, o desconhecimento do seu valor histórico e a falta de uso ou uso inadequado. Uma das palestrantes do ciclo de Seminário, a arquiteta urbanista Viviane Pimental, diz que o tombamento do imóvel não significa que ele deve ser congelado, mas que algumas de suas características precisam ser preservadas. “Ele pode ter um uso contemporâneo, passar por algumas intervenções para se adaptar às novas necessidades, mas não pode perder a sua essência”, ressalta.
Viviane também apresentou o conceito de paisagem cultural como um instrumento que amplia a área a ser preservada no entorno do imóvel tombado. Essa nova compreensão considera a ambiência na qual a edificação está inserida como o casario e demais imóveis que estão a sua volta, como ele se reflete conta o céu, se há uma linha de montanhas ou vegetação ao fundo. “Se por um lado isso restringe um pouco a questão da propriedade, esse conceito traz um diferencial para o lugar contribuindo para que outras mais pessoas queiram usufruir daquele espaço o que impacta, por exemplo, na atividade turística”, explica Viviane.
Transversalidade do patrimônio cultural
Ao se pensar uma política de patrimônio cultural é preciso levar em conta as relações estabelecidas entre os diferentes tipos de patrimônio a fim garantir a integralidade da memória cultural. Os riscos aos quais estão expostos o patrimônio natural, por exemplo, têm relação direta com o patrimônio imaterial. A geógrafa e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Simone Raquel Batista Ferreira, ilustra isso muito bem ao explicar como os costumes de comunidades tradicionais, como os quilombolas do Norte do Estado, estão se perdendo em função da degradação do meio ambiente. “A destruição do patrimônio natural está afetando diretamente a cultura das comunidades tradicionais, que sempre interagiram de forma sustentável com o ambiente”, diz a especialista.
Isso quer dizer que a interação das comunidades com a natureza faz parte de sua cultura. Nesse caso, a destruição do patrimônio natural coloca em risco o patrimônio imaterial. Mas ele não é o único, até pela sua complexidade. Para o filósofo e professor da Ufes, Fernando Pessoa, a preservação do patrimônio imaterial apresenta novos desafios, pois se trata de um bem intangível formado por prática e conhecimentos que são transmitidos de geração em geração e que são constantemente recriados. “Como preservar a técnica de produção da panela de barro, do ticumbi, da forma de fazer a moqueca capixaba? Como cuidar para que esse patrimônio não se perca tem uma complexidade diferente do patrimônio material?”, questiona o professor.
Sobre os Seminários
Os Seminários Patrimônio Cultural e Riscos partem da ideia de risco que pode ser compreendido como uma série de fatores que estão além da segurança contra furto. Isso significa que, além dos monumentos arquitetônicos e naturais e dos bens materiais móveis, os bens imaterais também fazem parte do patrimônio de um lugar. A realização dos Seminários faz parte do Programa de Educação Patrimonial da Secult e contou com a parceria do Instituto Sincades. Além de Vitória, essa série de debates foi realizada nos sítios históricos de Itapina, distrito de Colatina; no Conjunto Histórico Nossa Senhora da Conceição, em Conceição da Barra; no Porto de São Mateus; em Santa Leopoldina; em Muqui; e em São Pedro do Itabapoana, distrito de Mimoso do Sul.
Redação Portal Ouro Negro