Aos 33 anos, Reinaldo Alves de Paiva, o Bartolo, pode ser considerado um vencedor no jogo da vida. Nascido e criado na comunidade da Mangueira, Zona Norte do Rio, o pivô do Kasma Club, do Kuwait, teve de superar a pobreza e a proximidade com o crime para ter sucesso no futsal. Ídolo no Oriente Médio, o artilheiro da última Liga Kuwaitiana (com 43 gols) soube driblar os próprios dramas para triunfar no esporte. Filho do ex-chefe do tráfico da Mangueira Ricardo Coração de Leão (morto em 2002), Bartolo encontrou nas adversidades um combustível a mais para ter uma carreira vitoriosa dentro das quadras.
– Meu pai foi o responsável por todo o tráfico de drogas na Mangueira nos anos 90. Ficou oito anos preso. Cumpriu a pena e conseguiu um emprego quando saiu da cadeia. Ele estava morando em Del Castilho e não tinha mais nada com o crime quando foi morto em um tiroteio em um bar. Até hoje não se sabe de onde veio a bala – contou Bartolo.
O jogador do Kasma Club teve pouco contato com o pai, que teve outros nove filhos, um deles também morto após envolvimento no tráfico. Criado pela mãe e por uma tia, ao lado de mais dois irmãos maternos, Bartolo chegou a aconselhar o pai a abandonar a vida do crime. Pedido atendido, Ricardo deixou de ser o “Coração de Leão”, trocando a antiga vida de papelotes e fuzis pelo emprego de porteiro no Maracanã, à convite do deputado estadual e atual presidente da tradicional escola de samba da comunidade, Chiquinho da Mangueira.
– Quando ele era do tráfico, eu era pequeno, tinha 8 anos de idade, e não entendia nada. Ainda assim, o nosso contato era pouco, porque ele se separou da minha mãe, quando eu tinha uns 4 anos. Veio a prisão e, na saída dele, eu já era adolscente. Foi quando passamos a conversar e eu o aconselhei a deixar o crime. Infelizmente, aconteceu a morte dele em 2002 – lembrou.
Paralelo ao drama familiar, Bartolo foi construindo sua carreira no esporte. Ainda adolescente, passou a frequentar o projeto social da Vila Olímpica da Mangueira, onde praticou futsal até os 15 anos, contando com o incentivo da mãe e da tia, que sempre o acompanharam nas atividades realizadas no complexo esportivo vizinho à comunidade.
– Minha mãe e minha tia me traziam pelo braço. Eu era pequeno, tinha 13 anos. Era perigoso descer sozinho da comunidade naquela época. O tráfico era forte. O projeto da Vila Olímpica da Mangueira foi essencial para eu não me envolver com o mundo do crime. Tive muitos amigos que tentaram a carreira no esporte, não conseguiram e foram para o tráfico. Uns morreram, outros estão presos. Alguns não tiveram o apoio de uma mãe, irmão ou companheiro como eu tive – destacou.
Goleador nato, Bartolo chamou a atenção do São Cristóvão, que o convidou para as categorias de base da sua equipe de campo. Profissionalizado nos gramados, passou por Veranópolis (RS), e Atalanta, da Itália. Após sua primeira experiência fora do país, voltou para o São Cristóvão em 1999, quando resolveu retornar ao futsal.
– Uns amigos me convenceram que o futsal seria o melhor caminho. Joguei no Iate Clube, Botafogo, e no Rio Verde (GO), onde disputei a minha primeira Liga Futsal. Em 2002, vim para o Flamengo, onde fomos campeões do Metropolitano e do Estadual. Foi aí que a minha carreira decolou. No ano seguinte fui para a Espanha e fiquei quatro temporadas lá. Passei por Zaragoza e Castro Urdiales antes de ir para a Rússia, onde defendi o Spartak Moscou e o Sibiryak – disse ele, que teve rápido retorno ao Brasil neste meio tempo, atuando por Petrópolis e Macaé, sua última equipe no país.
Valorizado, Bartolo foi para o Kuwait em 2012. Artilheiro das duas últimas Ligas Kuwaitianas, ele crê que chegou a hora de ser campeão pelo Kasma Club.
– No meu primeiro campeonato ficamos em sétimo, no segundo fomos vice-campeões. Creio que, no próximo, o titulo é nosso – frisou ele, que se diz adaptado à vida no Oriente Médio.
– Dezembro é o único mês do ano que faz um pouco de frio lá, cerca de 15º. Em julho, auge do verão, a temperatura chega a 60º. Só conseguimos jogar e treinar à noite. Quando cheguei ao Kuwait, eles tinham uma cultura mais fechada. Vejo que isso está mudando. Antes, você não podia nem tirar a roupa na praia. Hoje, já deixam tomar sol só de short – revelou.
Casado há 16 anos e pai de uma adolescente de 14, Bartolo mantém uma residência no bairro de Benfica, nas proximidades da Mangueira, onde vem sempre passar as férias ao lado da família. Por conta das diferenças de cultura, esposa e filha permaneceram morando no Rio.
– Só vejo a minha família em folgas prolongadas e nas férias. Esse é o preço que se paga pela profissão – disse.
Planejando jogar até os 36 anos, o pivô já sabe o que vai fazer quando largar o futsal. Sem deixar suas raízes de lado, ele quer atuar na ampliação dos projetos sociais já existentes na Mangueira, hoje pacificada e livre do tráfico graças à instação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
– A Mangueira melhorou muito com a chegada da UPP, mas ainda há muito a ser feito. Quando parar de jogar, vou me dedicar exclusivamente aos projetos sociais da comunidade, em especial à Vila Olímpica. Posso trabalhar como gestor, treinador, ainda não sei. Sei que quero passar a minha experiência e a minha história para os que não me conhecem. Se dependesse de mim, começaria a ajudar hoje. O que mais quero é apontar caminhos para uma vida longe do crime – finalizou.
Fonte: Globoesporte.com